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Schurmann, uma família vivendo ao mar

Redação Webventure/ Aventura brasil

Kat aprende com o pai Vilfredo a navegar; filosofia da família é uma lição de vida. (foto: Arquivo Família Schurmann)
Kat aprende com o pai Vilfredo a navegar; filosofia da família é uma lição de vida. (foto: Arquivo Família Schurmann)

O lançamento do livro “Família Schurmann – Um Mundo de Aventuras” (Editora Record, 2000), o segundo escrito pela matriarca Heloisa Schurmann, neste novembro último, emerge novamente a história de uma família que largou casa, carro, trabalho, escola e um estilo de vida já sedimentado em Florianópolis (SC) para descobrir o mundo sobre as águas dos oceanos.

Na primeira viagem, em 1984, Vilfredo e Heloisa, mais os filhos Pierre, David e Wilhelm, com 15, 10 e 7 anos, respectivamente, embarcaram no veleiro Aysso (elegante, em tupi-guarani) para expedição inicial de três anos. A aventura ultrapassou os limites planejados e eles navegaram por dez anos. “Descobrimos com o passar do tempo que nossa opção de vida é viver no mar. Conhecemos novos lugares, povos e culturas diferentes e compartilhamos em família cada momento dessa aventura que é viver”, resumiu Heloisa.

Os filhos cresceram a bordo, aprenderam a ganhar a vida no mar e pelo método de correspondência da Escola Calvert (EUA), e hoje possuem desafios próprios. Pierre é sócio em uma empresa incubadora na Internet, David é cineasta formado na Nova Zelândia e Wilhelm é competidor profissional de windsurf desde 1994. Vilfredo e Heloisa estabeleceram residência em Porto Belo (SC) e no inverno vão para Ilha Bela, litoral norte de São Paulo. A família também ganhou mais uma integrante, a pequena Katherine, hoje com 7 anos.

Logo após a chegada da primeira viagem, em 1994, a saudade por cruzar os mares os motivou a realizar uma nova façanha. Dessa vez, eles planejaram uma aventura em comemoração ao quinto centenário do descobrimento do Brasil. A família se uniu para repetirem a rota do navegador português Fernão de Magalhães, o primeiro a dar a volta ao mundo, no século XVI.

No dia 23 de novembro de 1997, eles partiram para a aventura. Foram mais de 60.000 km percorridos em mar, retornando ao Brasil no dia 22 de abril deste ano, em Porto Seguro (BA). Neste Aventura Brasil, você conhecerá um pouco mais sobre a família mais aventureira do país.

Recém formado em economia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Vilfredo Schurmann era um homem comum de negócios. Do centro da capital catarinense, ele comandava uma empresa de projetos industriais e de assessoramento financeiro. Já Heloisa se formou em Nova York, pela New York University como professora de inglês, e era proprietária de uma escola de línguas com cerca de mil alunos.

Até então, os dois praticavam esportes convencionais. Nos finais de semana, eles jogavam tênis com os amigos. A convite da mãe de Heloisa, o casal foi passar férias em Nova York e depois na ilha de St. Thomas, no Caribe. Foi lá que se apaixonaram pelo mar. No terceiro dia de visita à ilha, quando Vilfredo avistou um catamarã e perguntou a esposa se gostaria de passear nele. “Seria um sonho”, respondeu Heloisa. Depois do passeio, Vilfredo prometeu afirmando que “um dia vamos voltar aqui com o nosso barco”.

De volta a Florianópolis, os dois se mudaram do centro para o bairro de Sto. Antônio de Lisboa, na época característico de pescadores. Compraram um barco a vela velho e começaram a velejar. O desejo de voltar a St. Thomas tinha virado mais do que um sonho, uma promessa.

Com o nascimento do segundo filho, David, eles decidiram marcar a data da aventura. “Vamos partir quando David completar 10 anos. Vamos dar a volta ao mundo e voltar a St. Thomas”, recordou Vilfredo das palavras ditas.

Durante todo o tempo de preparação da viagem, o casal foi ganhando conhecimento e experiência como cruzeiristas e participantes de regatas oceânicas. “Fomos duas vezes campeões brasileiros da Classe Oceânica 3/4 toneladas e, antes de partir para a viagem, já tínhamos navegado mais de 8 mil milhas”, descreveu Vilfredo. “Foram dez anos de preparação para que adquiríssemos o sentido de conjunto, a tranqüilidade e o equilíbrio necessários ao sucesso da aventura”, completou.

Os amigos e familiares não acreditavam na realização da aventura e, por várias vezes, tentaram desencorajar Vilfredo. “Lembro-me deles dizendo: isso é uma loucura. Deixar uma vida já firmada e sair para o mar. Rebati afirmando que todos nós temos sonhos e temos que ir atrás deles. Foi o que fizemos”.

Vilfredo, Heloisa, Pierre, David e Wilhlem partiram em 1984. Nesta primeira viagem, eles ficaram 1 ano navegando pela costa brasileira. “Foi para nos acostumarmos”, explicou Vilfredo. Depois rumaram para o Caribe, onde o pai cumpriu a promessa de retornar a St. Thomas. Passaram pelos EUA, cruzaram o canal de Panamá, Polinésia, Tonga e Fuji. Ao chegar na Nova Zelândia, David, com 15 anos, resolveu deixar a família para estudar Televisão e Cinema em Auckland, em 1989, se formando em 1993.

De Nova Zelândia, a família seguiu para Austrália, aportaram em diversas ilhas do Oceano Índico, Madagascar e África do Sul, retornando ao Brasil em 1994.

O dinheiro guardado para viagem era para o sustento dos três primeiros anos. Nos demais, a família obteve renda realizando passeios com turistas.

Para a segunda aventura, a família Schurmann decidiu repetir a rota do navegador português Fernão de Magalhães em comemoração aos quinhentos anos de descobrimento do Brasil.

Para tanto, a planejamento foi árduo e cansativo. “Colocamos o que pretendíamos realizar no papel e iniciamos o projeto. Contratamos um consultor de marketing para elaborar conosco o projeto final. Tudo foi detalhado: definimos a rota, levantamos os custos para reforma do Aysso, diagnosticamos o número de pessoas que iriam fazer parte das equipes de terra e mar, elaboramos toda a logística para os lugares em que iríamos aportar, definimos os equipamentos de telecomunicações que iriam a bordo, os equipamentos de filmagem em terra e submarina, estudamos as empresas que iriam revelar os filmes e telecinar”, detalhou Vilfredo.

O projeto foi enviado para várias empresas e três delas resolveram patrocinar a viagem: a Ceval Alimentos S/A através do produto Óleo Soya, a Embratel e a Viajo.Com do Brasil Ltda. Com o dinheiro arrecadado, o veleiro Aysso (pronuncia-se aissô) recebeu uma reforma especial. A cor interna passou para bege, o que deixou as cabines mais claras. A cabine de popa foi mudada para abrigar a nova tripulante Kat, e uma das cabines foi transformada em sala de informática com as últimas novidades em tecnologia.

“Também pensamos no bem-estar da tripulação e instalamos um aquecedor de ambientes, para as regiões geladas onde estão os pingüins, um forno de microondas para facilitar as tarefas do mestre cuca, um dessalinizador para todos poderem tomar um bom banho, e colocamos um CD player com duas caixas de som porque ninguém é de ferro”, argumentou o capitão Vilfredo.

No dia 23 de Novembro de 1997, Vilfredo, Heloisa, Pierre, David, Wilhelm e Kat partiram para o mar. Saíram de Porto Belo, contornaram o estreito de Magalhães, em direção ao Oceano Pacífico. Passaram por Ilha de Pascoa, Raiatea, Bora-Bora, Samoa Ocidental, Kiaribati e tantas outras ilhas.

Foi em Samoa Ocidental e Kiribati que a família enfrentou o primeiro perigo da expedição. “Enfrentamos ondas e ventos ciclônicos durante o início de um furacão. Precisamos ficar reclusos dentro do veleiro, foi a única forma de nos salvarmos desta tempestade. Enfrentamos ondas de 10 metros e quando o veleiro as vencia, realizávamos uma verdadeira queda livre”, lembrou Heloisa.

Passado o susto, o barco navegou por ilhas como Yap, Palau, Bali, Krakatoa, Jacarta, entrando no Oceano Índico. A 4 mil km de Krakatoa, em Peth, na Austrália, a tripulação já escutava o som o vulcão, considerado o de maior erupção registrada no mundo.

Esta também é uma região dominada por piratas, outro grande perigo. “Houve uma situação que fomos perseguidos a 50 metros por uma embarcação. Vestimos as mulheres como homens para que imaginassem se tratar de uma embarcação masculina. Foram momentos tensos e ainda bem que nada de mais aconteceu”, contou Vilfredo.

Seguindo a rota de Fernão, o Aysso passou por Cocos keeling, Madagascar, Mayotte, Richards Bay, Durban, East London e Cidade do Cabo. Já no Oceano Atlântico, eles aportaram em Santa Helena, Dakar, Lanzarote, Sevilha e Lisboa. Voltaram a Lanzarote, passaram por Cabo Verde e chegaram ao Brasil, em Porto Seguro (BA) no dia 22 de abril de 2000. “Foi um dos momentos mais lindos porque estávamos encerrando a viagem e a família estava toda junta. Ali fomos revivendo todas as emoções”, exemplificou Heloisa.

Durante todo o percurso, ela enviou diários de bordo contando toda as experiências e fotos de paisagens e situações para o site www.schurmann.com.br.

Fatos Interessantes:

Países visitados: 15 países e 8 territórios

Milhas Navegadas: 32.657 milhas ou 60.480 km

Maior Profundidade: 5.841 metros

Ventos mais fortes: 55-60 nós no Estreito de Magalhães

Navegação mais longa: De Cocos Keeling a Madagascar 2.933 milhas

Lugar mais frio: Seno Pingüim, Patagônia

Lugar mais quente: Sultanato de Brunei (36ºC)

Maior perigo: Piratas no Mar da China

Maior surpresa: Mog Mog, Micronésia, e sua tradição

Maior decepção: Não poder filmar na Ilha Pitcairn, porque teríamos que pagar US$ 10.000

Animal mais incrível: O macaco Tarsier, nas Filipinas

Mergulho mais emocionante: Arraias-jamantas de 3,5 m em Yap e tubarão branco na África do Sul

Melhor marina: Waterfront, na Cidade do Cabo

Pior marina: Jacarta, Indonésia

Lugar mais caro: Papeete, Taiti

Lugar mais barato: Filipinas

Costume mais diferente: Mog Mog, a casa das mulheres. É onde as mulheres têm que ficar durante o período menstrual e o resguardo, sendo proibida a entrada de homens.

Em 1990, durante a primeira viagem, a família Schurmann estava ancorada na costa da Nova Zelândia. Em contato com o povo nativo, os Maori, Heloisa aprendeu uma expressão chave: ARAKANUI. KIAKAHA. KIATOA. KIAMANA. WANUI, que traduzida para o português, significa: Ame. Seja forte. Seja corajoso. Seja você mesmo.

Segundo Heloisa, esta frase resume o espírito da família Schurmann. “Nós adotamos este lema porque é o que fazemos, é o ame, seja forte e seja você mesmo. Somos uma família unida mas que ninguém perdeu sua individualidade. E isso é muito importante hoje”.

Desde então, a utilização destes valores formam a base da família: unida, corajosa, perseverante na busca do sonho. Já conseguiram realizar dois deles, se tornando a única família a dar a volta ao mundo por duas vezes. A intencão é de não parar e prometem uma nova expedição. “Ainda é segredo”, adiantou Vilfredo. Não importa quando e o lugar, o espírito de aventura continuará com eles para sempre.

Este texto foi escrito por: André Pascowitch

Last modified: fevereiro 1, 2001

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