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Diário do Bravo: Matias Eli finalmente sai de Darwin

Redação Webventure/ Vela

Velejador teve que tomar uma decisão para chegar a Rodriguez (foto: Arquivo Pessoal/ Matias Eli)
Velejador teve que tomar uma decisão para chegar a Rodriguez (foto: Arquivo Pessoal/ Matias Eli)

Já não via a hora de sair de Darwin, afinal a parada que deveria ter sido de apenas 15 dias acabou se arrastando por um mês e meio. O destino final dessa travessia era Cocos Kelling. Para isso, a navegada foi longa, 11 dias. Mas foi gostosa. No começo o vento não ajudou muito, mas depois colaborou bastante. Dia sim dia não ligava o motor e deixava funcionar por uma hora apenas para ajudar a carregar as baterias e poder me dar o luxo de deixar o radar ligado a noite, permitindo que dormisse bem mais tranquilo.

Teve até uma noite mágica, sem lua, mas com estrelas de sobra no céu, vento constante de 25 nós e ondas grandes de três a quatro metros, que o Bravo descia num surf delicioso. A noite estava tão boa que não consegui dormir, abri uma garrafa de vinho e tomei a metade assistindo aquele espetáculo. Foi a primeira vez que bebi durante uma travessia.
Tirando a saudades da Carol, Marina e Sofi, a viajem foi ótima e cheguei em Cocos Kelling sem problemas. Sai de Cocos com 20 nós de vento, navegava com a genoa (vela da frente) e com a mestra, vela que fica atrás do mastro. Fazia uma boa média de velocidade e a velejada estava bem agradável, apesar do barulho do leme (que ainda precisava de reparos).

De uma navegada tranquila de Darwin até Cocos, percebi que chegar a Rodriguez (próxima parada), não iria ser tão fácil. Naquela mesma noite da partida o vento começou a apertar e os 20 nós viraram 30, era hora de diminuir o “pano”! Enrolei um pouco de genoa e fiz um rizo na mestra. No meio da madrugada as rajadas já sopravam a 40 nós, e tive que enrolar mais um pouco de genoa e fazer mais um rizo na mestra (já estava no segundo rizo).

Continuava com muito pano e na manhã do segundo dia fiz mais um rizo na mestra (terceiro e último rizo) e enrolei mais um pouco de genoa, que agora tinha apenas 50% da sua área total exposta aos ventos fortes do Oceano Índico. Mesmo assim tinha horas que parecia que estava com muita vela.
Problemas a bordo – Na minha segunda noite no mar, estava dormindo no interior do barco quando uma onda mal intencionada pegou o Bravo de jeito. Eu acordei com a água descendo as escadas, como uma cachoeira em dia de cheia. A água e invadiu a cabine e molhou absolutamente tudo. Enquanto dormia o mar tinha crescido de mais e o vento chegou a 45 nós na rajada e não baixava dos 37 fora dela. Era hora de tirar a mestra de vez e diminuir ainda mais a genoa.

Além disso, tive que alterar um pouco o rumo de 252 graus para 270 graus. O vento e o mar me obrigaram a seguir para noroeste ao invés de sudoeste. Isto porque, dessa forma eu pegava as ondas e o vento por trás e isso diminuía bastante a pressão nas velas e no meu leme avariado.

Quarto dia de viagem e o leme de vento não aguentou e eu tive que por o piloto automático para funcionar. Se o piloto quebrasse estaria em maus lençóis, pois teria que comandar o barco manualmente, exposto ao vento e as ondas que varriam constantemente o convés, além de não poder dormir nem cozinhar. Seria uma situação especialmente desagradável, uma vez que pelo andar da carruagem ainda faltavam nove dias para chegar ao meu destino. Foi ai que eu aprendi a rezar: “Pai do céu, por favor faça com que o tempo melhore e colabore para que essa merda de piloto automático não quebre! …amém”. No quinto dia eu recebo uma mensagem do “Pedrão” com a resposta as minhas preces: “o vento deve aumentar um pouco nas próximas 48 horas”.

No sexto dia uma onda muito mal criada em conjunto com uma rajada de vento safada fizeram com que o barco adernasse (inclinasse) muito mais do que o normal. Como resultado, a água que invadiu novamente o convés acabou destruindo a estrutura de madeira onde amarro os bujões de combustível, além de entortar a estrutura de alumínio do “dog-house” (aquela “cabaninha” que protege a entrada da cabine). A estrutura é parafusada no convés e a força da água fez com que o parafuso rasgasse a estrutura de metal como quem puxa um brinco da orelha.

Devido a minha mudança de rumo o meu TTG (Time To Go), mais conhecido como “quanto falta pra chegar”, não baixava das 200 horas! E o barulho do leme vinha se intensificando dia após dia, aquilo era realmente irritante, tentei colocar algodão no ouvido, mas não adiantava. O jeito era tentar esquecer o barulho da “cuíca” e me distrair lendo, pois não tinha para onde correr.

O que fazer? – Deu uma saudade danada do escritório! Pelo menos no trabalho sempre dava para descer, ir para a padaria tomar um café e espairecer a cabeça, mas ali no meio do oceano, não tinha para onde correr. Estava trancado num ambiente fechado, tudo molhado ou úmido e era obrigado a ouvir aquele “barulhinho” irritante 24 horas por dia. Passei a ler até bula de remédio! “Sol Nascente”, “O Diamante de Jerusalém”, “Os asiáticos”, “Ensaio Sobre a Lucidez”, “Daughter of Fortune”, e até “O Julgamento de Sócrates”! Pelo menos estou ficando mais culto.

E no sétimo dia São Pedro resolveu seguir o exemplo do chefe e também tirou o dia de folga. O vento resolveu dar uma trégua e pude voltar para meu rumo original. Foi uma injeção de ânimo! Mas na hora de subir novamente a mestra percebi que havia um rasgo na vela. Ótimo! Pelo menos vou me distrair com alguma coisa diferente. Peguei minha linha e passei a tarde brincando de costureira. Vela pra cima! Rumo certo! E nove nós de velocidade! O Bravo voava!!! E meu TTG diminuía drasticamente a cada decida de onda, pois quando o barco planava, chegava a fazer 10 nós, fazendo o meu TTG diminuir em 10 horas.

No oitavo dia escrevi no meu diário de bordo: “os problemas com o leme continuam, agora é o braço do piloto automático que solta do suporte após algumas horas de uso. Já no nono dia ligo para casa e falo com a Carol, desta vez as más notícias vem do sul do Brasil e passo o dia preocupado com problemas de família. Acho que não estou rezando direito.

No dia 11, o vento volta a apertar, mas meu ânimo estava ótimo novamente, pois agora faltavam poucas milhas para a chegada e meu TTG era de apenas 12 horas. Minha preocupação passou a ser o meu horário de chegada em Rodriguez. Não quero cometer o mesmo erro de Fiji, chegando à noite num porto que não conheço.

Minhas alternativas eram: 1) continuar navegando com mais velas, velejando rápido para chegar a Rodriguez antes do por do sol, mas corria o risco de rasgar alguma vela ou quebrar alguma coisa 2) diminuir as velas e a velocidade para chegar a Rodriguez só na manhã do dia seguinte adicionando 12 horas na minha viagem.

Para minha própria surpresa acabei optando pela alternativa 2. SIM!!!! Acho que estou ficando mais esperto. Eis que enquanto baixo as velas, o mar aumenta de tamanho e muda de direção passando a me empurrar para frente, no rumo certo para Rodriguez, mesmo com menos velas expostas ao vento, que já soprava na casa dos 40 nós. Acabo chegando a Rodriguez às 20h30 do dia 29/08, horário de Cocos Kelling, só que o fuso horário entre Cocos e Rodriguez e de duas horas e meia, ou seja, ainda eram 18h quando entrei no canal de Rodriguez iluminado pelos últimos raios de sol desta viajem duríssima, mas fantástica!

Acho que aprendi a rezar.

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: outubro 1, 2010

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