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Na costa africana, Matias Eli arruma o barco, fala com a filha e enfrenta tempestade

Redação Webventure/ Vela

Matias fala com a filha (foto: Arquivo Pessoal/ Matias Eli)
Matias fala com a filha (foto: Arquivo Pessoal/ Matias Eli)

Depois do susto e sem saber ao certo o que tinha acontecido no Bravo, desci totalmente a vela mestra amarrando-a bem forte na retranca, mas a veleta do leme de vento se quebrou, talvez pela força do próprio vento ou da água (nunca saberei).

Como o barco estava desgovernado, tive que pegar uma veleta reserva e substituir. Fazia muito frio e o vento forte só piorava, mas não tinha alternativa, se o barco afundasse, eu precisaria entrar na balsa salva-vidas e esperar pelo resgate, portanto, peguei minha sacola aprova d água (onde guardo meu telefone satelital, um GPS manual e algumas pilhas) adicionei duas garrafas de água e meus documentos. Agora estava tudo pronto caso precisasse abandonar o barco e por incrível que pareça isso me deu certa tranquilidade.

Voltei ao trabalho na procura do buraco no barco e enquanto procurava a resposta resolvi experimentar a água que estava lá dentro. Por sorte era salobra. Que alivio! Era a resposta que estava procurando! Aquela água era uma mistura da água do mar, que entrou durante a incidente e mais 200 litros de água doce de um dos tanques que não aguentou a pressão e estourou na parte superior, onde fica a tampa de inspeção.

Aos poucos o nível da água foi baixando até que o porão ficou seco novamente, mas dentro da cabine ainda reinava o caos. Tudo molhado e coisas esparramadas pelos cantos mais absurdos como facas no teto, moedas na cozinha, panelas na cama, cebolas no porão, enfim, uma zona total! Instrumentos de navegação, piloto automático ou motor, nada funcionava e como o gerador eólico também havia sido danificado não tinha como carregar as baterias para acender as luzes de navegação à noite.

Velas – Desliguei a geladeira para economizar energia e segui meu caminho para Port Elizabeth contando apenas com minhas velas e um GPS manual. Não era o fim do mundo, afinal de contas conheci muita gente (principalmente os velejadores mais velhos e experientes) que navegam o mundo todo assim e muitos deles não levam nem GPS, apenas um sextante.

No quarto dia de viagem ainda ventava muito, mas o sol resolveu dar as caras. Aqui é assim: “oito ou 80″. Mas até que foi bom, pude descansar, e por tudo para secar do lado de fora, dei uma bela arrumada no interior do barco, e consegui fazer o motor funcionar, mas como tinha pouco combustível o deixei quieto, minhas baterias estavam carregadas graças ao painel solar e meu consumo era nulo, pois não liguei a geladeira e os instrumentos não funcionavam. A vida estava voltando ao normal.

Nessa mesma semana de viagem conturbada, foi o aniversario da minha filha Marina, liguei para casa pelo telefone satelital e falei com ela: “oi papai, você está vindo pra cá?” Engoli o choro e falei que sim que daqui a algumas semanas estaria em casa. E que naquele momento não daria para eu estar em casa com elas. Tem coisas que são difíceis de explicar mesmo.

Após uma semana de viagem ainda faltavam mais de 800 milhas para chegar no meu destino e quando o vento começou a apertar fiquei muito feliz. Pela previsão do tempo uma nova frente fria deveria chegar em breve, o vento já soprava forte de nordeste e as ondas de quatro metros estavam de volta. Naveguei o dia inteiro e a noite também com um vento forte de uns 30 nós, que me empurrava na direção certa. Tinha combustível suficiente para 50 horas de motor e (naquele momento) ainda faltavam umas 60 horas para chegar, havia feito um bom avanço e depois de fazer algumas contas decidi ligar o motor que funcionou o dia inteiro.

Na outra manhã, uma faixa preta se formou no horizonte a sudoeste da minha posição, não tinha dúvidas que era a frente fria chegando com tudo, tinha entre 30 minutos e uma hora para preparar o barco para a tempestade que se aproximava. Desta vez desci a mestra completamente e fiquei só com um pedacinho de genoa exposta ao vento. Super conservador, mas é melhor assim! É sempre mais fácil ter que desenrolar mais um pouco de vela do que ter que reduzir.

Aquela faixa preta avançava na minha direção e chegava cada vez mais perto aumentando o vento e a minha ansiedade na mesma proporção até que ela finalmente entrou. Não tinha mais instrumentos de navegação, mas estimo que quando a frente chegou deveriam estar soprando uns 45 nós. Com era de se esperar as ondas também cresceram vindo na mesma direção do vento, ou seja, bem de proa. Essa situação forçou uma alteração no meu rumo, pois não poderia encarar aquele temporal de frente.

Alterei o meu rumo mais para o sul, mas como estava sem mestra era difícil equilibrar o barco que relutava em manter o rumo apenas com o auxílio do leme de vento (é nessas horas que o piloto automático faz falta). Fiquei no leme a tarde inteira e quando já não aguentava mais o frio e o vento enrolei o restante da vela de proa, amarrei o leme com elásticos e fui dormir.

História – Naquela noite escrevi no meu diário de bordo: “noite de medo até conseguir estabilizar o barco. Ventania fortíssima com ondas e spray no ar. Muito frio e impossível ficar no cockpit sem agasalho impermeável e gorro.”

Estava me aproximando da corrente de Agulhas, que desce de norte para o sul aumentando à medida que me aproximava da costa da África. Depois de ter deixado Madagascar para trás era importante ter uma estratégia clara para poder atravessar a corrente de Agulhas. Esta corrente se forma em Moçambique, ao norte da África do Sul, entre a costa africana e a ilha de Madagascar. É a corrente mais forte do mundo.
Mas o tempo me ajudou com o fim da tempestade e um bom vento que acelerou a minha viagem e impediu que eu pegasse outra frente fria bem na corrente de Agulhas. Teve dias que o Bravo navegou com todas as velas em cima e chegou a fazer 14 nós na

Quase chegando, quando vi as luzes em terra, achei que a briga contra o tempo havia tinha terminado. Mas que nada! O sudoeste entrou com tudo soprando contra meu rumo e fazendo o mar subir também na direção contraria. Mesmo com o motor a 3.000 giros não conseguia vencer a corrente e o vento avançava a míseros dois nós. Durante oito horas tive que ficar no leme (o leme de vento não funciona quando estamos a motor). Estava congelando de frio. Só consegui soltar a âncora e descansar às 5h da manhã, depois de quase dois dias sem dormir.

Realmente o oceano Índico não é brincadeira. Ainda bem que estou deixando este oceano e voltando para o meu querido Atlântico. Daqui sigo para Cape Town deixo o barco por lá e vou visitar as meninas e a Carol em São Paulo antes de atravessar o Atlântico.

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: dezembro 25, 2010

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