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Colunista indica trekking nos parques Aparados da Serra e Serra Geral, conhecidos como as Highlands brasileiras

Redação Webventure/ Destino Aventura

O Cânion Fortaleza (foto: João Paulo Lucena)
O Cânion Fortaleza (foto: João Paulo Lucena)

Desde muitos anos eu tenho explorado as trilhas do planalto gaúcho. Um dos meus roteiros preferidos é uma caminhada clássica: o percurso entre os cânions Fortaleza e Malacara, nos parques nacionais da Serra Geral e Aparados da Serra, bem na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.

Não à toa, a região é conhecida como Highlands brasileiras, em referência às famosas montanhas escocesas. E não tem preço percorrer o trajeto de 15 quilômetros, seguindo a borda do planalto em meio a campos de altitude e bosques de araucárias, enquanto ao lado se descortina uma magnífica paisagem do litoral atlântico a 40 quilômetros de distância e mil metros abaixo.

O Parque Nacional da Serra Geral está situado bem na divisa dos dois estados sulistas. A rigor, se você sentar na borda com as pernas para dentro do precipício, ficará com o tronco no Rio Grande do Sul e o resto do corpo em Santa Catarina. A unidade foi criada em 1992 e é limítrofe do Parque Nacional de Aparados da Serra, de 1959, ambos constituindo um ecossistema de rara beleza e importante área de biodiversidade. Os locais são administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Com um grupo de 11 caminhantes, partimos de Porto Alegre rumo aos Aparados. Da capital gaúcha até a sede do parque, no município de Cambará do Sul, são 190 quilômetros de asfalto e mais 23 de estrada de terra em razoável estado de conservação. Já as instalações do parque, ao contrário, são precárias e ficam restritas a uma casinha e a um velho galpão de madeira, que outrora conheceu tempos melhores. É de conhecimento geral a falta de verbas e a inexistência de infraestrutura, que impedem, inclusive, a cobrança de ingresso.

Formado a partir de atividades vulcânicas ocorridas há milhões de anos, o planalto sul-brasileiro surgiu a partir de derrames de lava, e hoje é coberto por campos limpos, matas de araucárias e inúmeras nascentes de rios cristalinos, nascidos do intenso índice pluviométrico na região.

A beleza cênica desde a borda é impressionante. Dali é possível vislumbrar o relevo sul-catarinense serra abaixo, formado por montanhas e vales profundos que recortam a borda do planalto. Já o lado gaúcho, acima, é caracterizado por suaves coxilhas (ondulações) e vales rasos que, sem qualquer transição, dão lugar a paredões verticais de rochas basálticas.

Estas escarpas, algumas com mais de 700 metros, já foram objeto de tentativas de escalada, mas não constituem ambiente seguro para a atividade, pois não só são formadas por “basalto podre”, conforme a gíria técnica, mas também estão classificadas como zona intangível (intocável) pelo plano de manejo, que aponta a existência de pássaros que ali nidificam e de flora endêmica.

O nome Aparados da Serra vem dos abismos que levam à região litorânea, que interrompem ao leste o imenso platô. Em dias claros, é possível avistar o Oceano Atlântico, bem como cidades próximas da costa, como Praia Grande (SC) e Torres (RS).

A caminhada total, desde o mirante maior do Cânion Fortaleza até a Fazenda Malacara, não é longa. Ela possui 15 quilômetros, seguindo a borda dos paredões e as cristas de coxilhas, e desviando ou passando por muitos riachos, charcos e turfeiras alagadas, comuns na região dos campos de altitude. Optamos por fazê-la em dois dias, com um pernoite na área do parque, o que somente é permitido mediante autorização da administração.

As turfeiras, em geral, estão junto às baixadas úmidas do planalto. Elas são espécies comuns da flora, compostas por densos colchões de líquens e formadas pelo acúmulo de matéria orgânica. É difícil atravessar uma turfeira sem molhar os pés. Se o tempo não estiver muito seco, a melhor alternativa é dar a volta, mesmo que o caminho fique mais longo.

A partir do Cânion Churriado, seguimos a trilha até o vértice do Cânion Malacara, onde montamos o acampamento depois de 10 horas de caminhada e 10 quilômetros percorridos desde a partida do Fortaleza. Um caminhante experiente e bem orientado no terreno levaria menos tempo para completar tal percurso, mas nossas prioridades eram as gravações para um programa de televisão (o Adrenalina, do Canal Futura/Globo Internacional). Por isso, as paradas foram mais frequentes e demoradas.

Os melhores locais para acampar nos campos de cima são nos capões de araucárias, mais no interior do planalto. Já próximo da borda é legal ficar junto à mata “nebular” típica desse ecossistema, com árvores tortuosas de estrutura baixa, frequentemente coberta de musgos e epífitas , onde há proteção contra o vento de inverno e sombra em dias de calor. Ali a vegetação é frágil e todos os mandamentos de mínimo impacto devem ser observados: nada de fogo, contaminação de água, corte de plantas ou coleta de espécies.

No segundo dia, a programação prevista era finalizar as gravações e desmontar o acampamento. Os equipos mais pesados foram despachados de volta com a turma de apoio e transportados a cavalo para a fazenda, a 5 quilômetros por uma trilha através de campo e matas de araucária.

Mas, depois do meio dia, o clima começou a mudar, sinalizando a chegada de chuva, frio e de uma densa neblina, localmente conhecida como “viração”. Como previsto, no meio da tarde o céu límpido e cristalino foi substituído por nuvens e uma densa neblina, que impedia a visão a mais de 10 metros de distância. Por isso, decidimos seguir direto para a fazenda, mas não pela borda e sim pelo campo de planalto adentro, em meio à névoa, frio e garoa, ao longo de 6 quilômetros, terminando o trajeto já à noite.

>> Atente-se à proibição de pernoites sem autorização e ao horário de funcionamento dos parques Aparados da Serra e Serra Geral (das 9h às 17h).

>> Independente da época do ano, leve sempre casaco contra o frio e a chuva.

>> Os celulares funcionam parcialmente, dependendo da operadora e da proximidade com as borda dos cânions e as antenas no litoral. A Praia de Torres, por exemplo, está a 40 quilômetros em linha reta do mirante principal do Fortaleza.

>> As turfeiras e os banhados são constantes e exercem importantes papeis como reservatórios de água e reguladores de vazão da chuva. O pasto úmido e os charcos ocupam grandes extensões, jogando umidade e água para dentro dos calçados. Por isso, use botas de trekking de cano médio ou alto, resistentes à água e, preferencialmente, acompanhadas de polainas ou perneiras, que podem também protegê-lo de picada de animais peçonhentos.

>> O clima é de montanha e, por isso, grandes alterações podem ocorrer em poucas horas. Além da chuva e do frio, um dos grandes perigos é o surgimento de neblina espessa, a viração. Assim, tenha mapa e instrumentos de orientação, como bússola e GPS. E nas noites de inverno a temperatura sempre chega a números negativos.

>> Se você se perder na neblina, não ande a esmo. Espere o tempo melhorar antes de retomar a caminhada: próximo das bordas há fendas escondidas pelo capim, pedras escorregadias e muito musgo e líquens. Mas, saiba também que a viração poderá durar até o dia seguinte.

>> Leve mais alimento do que o previsto. Também uma manta térmica de emergência, facilmente encontrada em lojas de equipamentos outdoor. Acampe com barraca ou, para um pernoite mais minimalista, leve uma rede de selva com sobreteto e mosquiteiro.

>> Não é permitido fazer fogo dentro da área dos parques. Mas, em uma situação de real e de extrema emergência, isso pode salvar a sua vida. Portanto, tenha sempre fósforo, isqueiro ou um meio de produzir calor.

>> Os recursos hídricos no PNSG apresentam boas características de transparência e potabilidade, sem poluição aparente. Procure água corrente, mas lembre-se que ela eventualmente poderá conter parasitas assim, na volta, compre um vermífugo em uma farmácia. E por causa da constituição do solo e da degradação vegetal, a água apresenta pH ácido. Por isso, para caminhadas de mais de um dia, eu costumo levar comprimidos antiácido, para neutralizar possíveis efeitos do líquido no sistema digestivo.

Este texto foi escrito por: João Paulo Lucena

Last modified: dezembro 19, 2011

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