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Um Uno Mille na travessia Humaitá – Manaus (1ª parte)

Redação Webventure/ Offroad

“Slow. Slow….Sloow”. Os gritos aflitos de William Earle ao volante do Uno Mille permanecem nítidos, recordando a aventura da travessia dos 580 quilômetros entre Humaitá e Manaus, no coração da selva amazônica, região tão inóspita, evitada até pelos índios. Foragidos da Justiça, bichos-grilos e andarilhos pontilham a vasta planície pantanosa, habitat também da onça pintada, do porco-do-mato, da anta, de serpentes e cobras, malária, aventureiros e desgarrados de todos os gêneros.

Earle e família entram nessa história pelo acaso e também pelo gosto da aventura. Na virada do ano passado, duas famílias brasilienses decidiram realizar a Expedição Brasil-Venezuela, via Mato Grosso / Rondônia / Manaus / Roraima. Foram 15 mil quilômetros ida e volta, incluindo as Ilhas Margaritas e um passeio pelos penhascos de Mérida, na Cordilheira dos Andes. Veículos: dois Defender`s 110 (Land Rover). Tripulação: Gilberto Oliveira, (51) magistrado e Jaqueline, grávida de sete meses. Noutro Jipe, Eduardo (47), jornalista/advogado, Tereza advogada e os filhos Eduarda (11) e Samuel (9).

Um Uno Mille na floresta

Três dias antes do Natal/98 estávamos em Humaitá. Pela frente 680 quilômetros, sendo 580 km até Careiro do Castanho sem um ponto de apoio, sem uma cidade ou posto de abastecimento. Assim, Humaitá era o fim da linha e começo da aventura. Depois de alguns cálculos, os jipeiros decidiram cobrir o trecho sem combustível reserva, com o suficiente apenas para um percurso de 620 km, ou seja, um excedente de somente 60 km. Risco bem calculado. Resultado: o jipe que rebocou o Fiat chegou a Careiro “no cheiro do diesel”.

Na angústia das discussões sobre os perigos da possibilidade de alguém contrair malária, leishimoniose; a eventual falta de combustível, quebra de veículos etc, é que Earle, um americano de 50 anos, e sua família ingressam na aventura. Com 1,90 de altura, Earle é um descontraído e simpático cientista do MIT que participava do mapeamento geofísico da Amazônia, programa patrocinado pelo Banco Mundial. Kathy, sua mulher, não disfarçava a expressão de pavor, enquanto os filhos Allegra (14 anos) e Gregory (11 anos) demonstravam ansiedade..

Ainda no restaurante do Hotel Macedônia, Earle provocou risos e espantos ao informar que faria a travessia num Uno Mille, alugado na cidade de Ji-Paraná, Rondônia. Uma loucura. Não adiantaram as ponderações. Earle, para desespero da mulher e do filho Gregory, estava decidido a viver uma grande aventura tropical. Então, seja o que Deus quiser. “Você e sua família chegarão a Manaus”, prometemos. “Agora, quanto ao carro, não nos responsabilizamos”. A resposta foi um sorriso aberto, largo. Uma criança às vésperas de Natal. “Yes. Yes. No problem”, saltitou Earle.

Em comboio pela BR-319

A manhã já surge quente na zona equatorial. Às sete horas o comboio dá a largada, colocando o Uno entre os dois Jipes. “Eu vou pisando”, resmungou Gilberto. “Você adotou o gringo… que cuide dele”, esbravejou. Em poucos minutos Humaitá desaparecia nos retrovisores. Os postos policial e da Receita, o Quartel do Batalhão de Guerra na Selva sumiam, lentamente, enquanto a floresta crescia. Crescia majestosa. Senhora de si e do mundo. Fulgurante. Sim, isso mesmo, fulgurantes como uma noiva virgem em núpcias, as árvores debruçavam-se sobre o comboio.

Na noite anterior à partida, um rápido encontro com Elizeu Jácomi e José Airton, respectivamente funcionários do DER-AM e do DNER, os “donos da estrada” que é bloqueada nos períodos chuvosos. Mesmo no verão, é necessário autorização do Governo para transitar pela BR 319, dados os riscos e a ausência de serviços. De volta ao Hotel lá estava a figura simpática de Robert Rachid, um lendário kombista que conhece todas as curvas da rodovia. Para tornar a viagem mais amena e menos longa, ele aprendeu a medir as distâncias tendo como referência as torres de transmissão da Embratel.

Quinze quilômetros depois de Humaitá a estrada passa a ser apenas um sinal na terra, sombreado pela floresta. Na bifurcação à esquerda, a rodovia Transamazônica morre 192 km depois, em Lábrea, cidade fundada por um tetravô meu, o coronel Antonio dos Reis Labre. É possível imaginar as dificuldades que esse ancestral encontrou, ao trocar as margens do Itapecuru, no sertão do Maranhão, pelas barrancas do rio Purus, uma referência longínqua lembrada nos livros de geografia do Brasil. “Ok. No problem coronel Labre. Um dia baterei à soleira da tua cidade”, pensei. “Sentarei banco da praça e recordarei de tua saga”. A vida é um constante remoer o passado, desvendando a silhueta do futuro.

Não perca a 2ª parte desta aventura!

* Aventura Press é uma agência de notícias especializada na produção de documentários e reportagens sobre ecoturismo, esportes radicais, off-road, etc.

Este texto foi escrito por: Eduardo Leão Coelho

Last modified: outubro 1, 1999

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