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Os irmãos Pettená e o pára-quedismo (parte 1 )

Redação Webventure/ Aventura brasil

Nos anos 80 dá-se adeus ao antigo pára-quedas (foto: Arquivo pessoal)
Nos anos 80 dá-se adeus ao antigo pára-quedas (foto: Arquivo pessoal)

Ubonratchatani, Tailândia, dezembro de 1999“A rampa do Hércules começou a abrir e pensei comigo: Deus nos ajude, lá vamos nós novamente. Tentei repassar mentalmente o caminho que iria usar para chegar até a formação. Não podia fechar os olhos para que os outros não pensassem que estava dormindo sob os efeitos da hipóxia. Visualizei a saída e o início do dive.”
Trecho do artigo de Ricardo Pettená para a revista Air Press

Há três meses, o paulista Ricardo Pettená se misturava a 282 pára-quedistas do mundo inteiro para um momento histórico do esporte internacional e, por tabela, brasileiro: o recorde mundial de formação em queda livre. Nos céus da Tailândia, esse imenso grupo, que saltou diariamente em busca da marca, tinha 15 brasileiros, chefiados por ele e Rogério Martinati. Era a celebração perfeita para os 28 anos de pára-quedismo de Pettená, cuja trajetória se mistura à evolução da modalidade no país.

Essa história começa em 1971, quando Ricardo deu o primeiro salto, com um pára-quedas de guerra, em Campinas. Acabou levando o irmão, Marcos, a voar também. Juntos, eles transformariam um esporte – que ainda carregava a imagem de atividade militar – em negócio. “Fizemos a Azul do Vento 8, 10 anos fora do tempo”, admite Marcos, se referindo à escola e centro de pára-quedismo criados há mais de 20 anos, quando foram tachados de mercenários.

Como atletas, eles rapidamente se impuseram no país e não pararam por aí. Ricardo chegou a ser instrutor de equipes internacionais e a fazer parte da seleção norte-americana numa Copa do Mundo. Chegou ao topo da carreira com o recorde na Tailândia.

Neste Aventura Brasil, dividido em duas partes, abrimos o baú dos Pettená. Dentro dele, histórias curiosas de participações em novela e filmes, saltos inesquecíveis em fins de semana, amizades e rivalidades, até um acidente que quase matou Ricardo: as linhas do pára-quedas foram cortadas pela de uma pipa, com cerol, e ele despencou de uma altura de 25 metros. Por tudo isso, ele avisa: “O pára-quedista não é igual a todo mundo, a gente não é igual aos outros.”


(*) Clique aqui para ler a segunda parte desta reportagem.

Campinas, julho de 1971 – “Entrei, olhei, vi aqueles equipamentos, o pára-quedas… Foi ali que tudo começou.” Então com 12 anos, Ricardo Pettená passeava em Campinas, quando viu uma exposição no Clube de Pára-quedismo da cidade. A vontade de saltar fez com que ele insistisse para fazer o curso, apesar de ser menor de idade. A pessoa que estava de plantão no local pediu para que voltasse à noite. “Voltei com meu pai e a gente foi falar com o instrutor. No dia seguinte, comecei a fazer e curso, mas não tinha nenhuma perspectiva de saltar. Passaram-se cinco meses, fiz aniversário, e enfim pude dar meu primeiro salto. Foi em 12 de dezembro de 71.”

Ricardo se pergunta até hoje como foi tão fácil convencer seus pais a lhe darem autorização para o salto. E não se esquece de cada detalhe do grande dia. “Foi tudo muito tranqüilo, minha emoção era por estar saltando de pára-quedas, mas não havia medo. Adorei, saltei de novo no mesmo dia e nunca mais parei”, conta.

Ao contrário do que acontece hoje, o primeiro salto de Pettená não foi duplo (quando o iniciante salta amarrado ao instrutor). Aliás, esta técnica só foi surgir nos anos 80. “O pára-quedas também não era igual ao de hoje, retangular. Era redondo, criado para salvar a vida de pilotos ou para o desembarque de tropas, principalmente na 2ª Guerra Mundial. Foi com um desses que eu saltei.”

Ricardo só não imaginava viver do pára-quedismo. “Não tinha a menor idéia do que ia ser no futuro. Só sabia que iria saltar sempre.” A paixão pelo céu foi tanta que ele convenceu o pai a saltar também. “Foi engraçado. Com 14 anos, eu já tinha 54 saltos e fui o lançador dele. Foi difícil botá-lo pra fora daquele avião. Me lembro até hoje de uma matéria no jornal que tinha o título ‘Filho joga pai de avião’. Parecia Notícias Populares.”

Enquanto isso, Marcos, dois anos mais novo que Ricardo, alimentava a vontade de fazer como o irmão. “Fui criando interesse. O Ricardo sempre me contava como era, eu via filmes – na época eram em Super 8 ou 16 milímetros – e imagina o que iria sentir, se aquilo que eu via era o que realmente acontecia”, lembra. Em 14 de junho de 74, Marcos estreiou no pára-quedismo. “Na hora de saltar, olhei pro instrutor e me perguntei: ‘O que é que eu fui inventar?’… No fim, foi tudo como eu achava que seria.”

No mesmo ano em que Marcos aderiu ao pára-quedismo, o Brasil sofreu mais severamente os reflexos da Crise do Petróleo. Pausa para a História: tudo começou em 73, quando os países exportadores de petróleo decidiram parar de vender para os Estados Unidos e Europa. Logo depois, o preço do óleo foi quadruplicado, afetando o mundo todo. Por tabela, os saltos se tornaram raros e, muito, muito caros. “Foi quando a gente deu uma pausa, o Ricardo foi para os Estados Unidos fazer intercâmbio”, conta Marcos. Quando a crise passou, em 75, Ricardo estava de volta, saltando pouco. Parou para o serviço militar.

Tudo aconteceu justamente na época em que o pára-quedismo era descoberto como esporte e lazer. Nas décadas de 50 e 60, houve tentativas de se criar provas de competição. Mas só nos anos 70 é que empresas norte-americanas e francesas perceberam a potencialidade do pára-quedismo como diversão e investiram dinheiro para novos equipamentos. No Brasil, saltar era para militares e poucos civis, que tinham oportunidade de experimentar o pára-quedas em clubes, como o de Campinas, que hoje nem existe mais…

Em 78, os Pettená se reencontraram com o esporte. A partir daí cada novo passou do pára-quedismo no Brasil sairia de Campinas. Primeiro, os dois irmãos se juntaram a Luís Antonio Tonini e Rafael Coutinho para participar do Campeonato Brasileiro. Venceram neste ano e repetiriam o feito nos próximos oito.

Foi junto de companheiros de salto como esses que Ricardo viveu um dos momentos mais marcantes da carreira, uma história simples de fim de semana. “Voltávamos de Lençóis Paulistas para Campinas, tinha uma meia dúzia de pára-quedistas sem equipamento e outros equipados, entre eles eu e outros companheiros unidos da época, o Fidélis, o Rubão e o Marcos, meu irmão. Eu tava na porta, com a cabeça pra fora e pensei: ‘puxa vida, e se eu saltar aqui, no meio do caminho?’ Falei que ia saltar, como quem diz ‘quero ver se eu tenho amigo aqui, quem vem atrás de mim’. O Marcos até ficou bravo, disse que se eu fizesse eles saltarem naquele fim de mundo e levássemos três dias para chegar à civilização, eu iria me ver com ele”, ri.

“Só eu enxergava que estávamos sobre uma cidade. Saí, fiquei olhando pra cima e para a porta do avião e, durante os longos segundos, ninguém saltou. De repente vi um, dois, três, saltando. Quando os pára-quedas abriram, a gente viu que estava um vento muito forte. Cada um caiu num lugar diferente e juntou um monte de gente. Ninguém tinha dinheiro e aí levaram a gente num bar, pagaram cerveja, compraram as passagens de ônibus pra gente e viemos embora.”

A idéia de transformar esporte em negócio nasceu em 78, com a fundação da Azul do Vento. “Primeiramente, dávamos cursos. Lembro que colocamos um anúncio no jornal que atraiu uma grande quantidade de pessoas, jovens, com bom poder aquisitivo. O Ricardo era o mais velho ali, tinha 20 anos. Tivemos até de contratar um instrutor maior de 21”, lembra Marcos. Dessa primeira turma nasceu a equipe Chão Preto, que seria oito vezes campeã brasileira, posteriormente sendo chamada de Azul do Vento. “No fim dos anos 70, a gente dava cursos apenas. A idéia de área de salto viria mais tarde.”

Não foi fácil criar uma empresa de pára-quedismo. As críticas e o pessimismo predominaram. “Todo mundo dizia que não ia dar certo, que era financeiramente inviável. Só eu, já formado em Marketing, e o Marcos acreditávamos.” Nem tanto. Fora do Brasil surgiam inovações em série. O pára-quedas retangular, também conhecido como asa ou aerofólio. “Os pára-quedistas começaram a aprender a usar o corpo em queda livre, dando espaço para a nova técnica de A.F.F. (Acelerated Free Fall), possibilitando que os iniciantes não mais saltassem enganchados numa fita, mas usando um equipamento individual”, descreve Ricardo. Ele e o irmão introduziriam a técnica mais tarde no Brasil.

A Ditadura que comandava o Brasil na época gerava empecilhos para o negócio. “Na verdade, nem era permitido abrir empresa de pára-quedismo, a modalidade era encarada como defesa do território nacional não um esporte”, lembra Marcos. Mesmo com o vento contra, a idéia fez escola e, em pouco tempo, surgiu outras unidades de cursos por todo o país.

Em 87, a equipe Azul do Vento perdeu pela primeira vez um Campeonato Brasileiro. “Era hora de investirmos pra valer na empresa”, lembra Ricardo. Ele sabia que a missão era quase impossível, afinal já havia rodado por São Paulo, na época em que cursava a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), atrás de patrocínio para a empresa. “Engraçado, hoje o pára-quedismo é associado a uma infinidade de marcas, aparece direto em programas de TV… Naquela época, se a gente chegasse para um dono de uma grande empresa e pedisse para ele ser nosso parceiro, o cara ria da gente, pensando: ‘imagine associar o nome da minha empresa a esse negócio de maluco! Vai morrer gente ali.”

Associar pára-quedista a louco era praxe – e até agora o rótulo ainda existe. “Muita gente pergunta: ‘Por que saltar de um avião se ele já está voando?'”, comenta Ricardo. “A verdade é que não somos como as outras pessoas. Eu sempre penso nisso quando estou no céu num domingo e lá embaixo tem uma porção de gente fechada em casa assistindo Faustão.”

Outros adeptos dessa nova espécie de esportistas eferveciam em idéias naquela década. Anos antes, Bill Booth inventou o pára-quedas duplo, abrindo a possibilidade do salto consagrado hoje em dia que permite a uma pessoa saltar sem instrução, sendo apenas passageira de seu instrutor. “Esses equipamentos ajudaram a modificar a imagem do pára-quedismo, acrescentando segurança e acesso à prática. O número de vezes que eu saltava na década de 80 era o dobro dos anos anteriores, chegada a 200 por ano”, compara.

Era só o começo. Aos poucos, os Pettená foram introduzindo essas técnicas e outras escolas foram atrás. Lucro? “Passamos muito anos no vermelho, meus pais seguravam as pontas por trás. Era muita vontade e a certeza de que um dia aconteceria um boom“, resume Marcos.

À espera do grande dia, Ricardo acabou indo morar nos EUA, atrás de novos desafios do esporte e em busca de novas técnicas. Destino: Deland, na Flórida, considerado o maior centro de pára-quedismo do mundo. Mas isso já é história para um novo vôo, no próximo Aventura Brasil.

Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira

Last modified: março 31, 2000

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