Frio castiga os competidores (foto: Wladimir Togumi)
Frio castiga os competidores (foto: Wladimir Togumi)

Hipotermia é definida quando a temperatura central do corpo humano cai abaixo de 35o C. Vale dizer que essa temperatura central, em condições normais, é similar ao valor medido na axila. No entanto, após exercícios extenuantes, por exemplo, a diferença entre essas temperaturas pode atingir mais de 3o C. Assim, os médicos usam termômetros especiais nas vítimas acometidas desse problema.

A hipotermia pode ser atingida rapidamente, por exemplo na imersão em água gelada ou no contato direto com neve e gelo, ou lentamente, quando da exposição do atleta a temperaturas ambientais frias, se agravando muito quando há vento, umidade ou chuva.

O corpo humano tem um mecanismo próprio de controle da sua temperatura, chamado Mecanismo Termorregulador. Ele envolve centros e vias nervosas e químicas no cérebro, medula espinal e nervos por todo o corpo, além de receptores especiais de temperatura. Nossa temperatura central deve ser mantida rigorosamente entre 36,5o C e 37,5o C. Além desse limite inferior surgem vários sintomas, desde arrepios e tremores, até a morte.

Quando as terminações nervosas detectam uma queda na temperatura, além da sensação subjetiva de frio e arrepios, surge uma vasoconstrição (diminuição do calibre) dos vasos sangüíneos principalmente da pele. Por isso a pele fica fria. Essa é a resposta inicial do corpo, no sentido de diminuir a perda de calor, mantendo a temperatura corporal interna. Quando essa vacoconstrição não é eficiente para evitar a queda da temperatura, surgem os tremores.

Os tremores são contrações involuntárias dos músculos esqueléticos, contração essa que gera calor. Se a exposição ao frio ambiental é prolongada, os tremores diminuem ou cessam, surgem alterações mentais e diminue a performance motora. Progressivamente há um colapso do mecanismo termorregulador, inclusive com vasodilatação na pele e conseqüente perda de calor para o exterior. Assim, fecha-se um ciclo vicioso e o atleta começa a diminuir seu nível de consciência (fica prostrado, sonolento, torporoso), as funções vitais se alteram (principalmente freqüência cardíaca, respiratória e pressão arterial), até a morte. No decorrer desses eventos, podem surgir lesões pelo frio, principalmente nas extremidades (mãos, pés, nariz, orelha e lábios), das quais a mais grave é o congelamento.

A hipotermia acomete militares, navegadores oceânicos, equipes de resgate, caçadores, esportistas, aventureiros e moradores de rua em áreas urbanas e rurais, que podem sucumbir ao relento (o que acontece infelizmente com muitos indigentes nas cidades brasileiras). É também um problema em grandes catástrofes como inundações e terremotos.

Os efeitos do frio intenso sobre a performance humana têm várias passagens na história militar e foi um grande inimigo natural em famosas batalhas da História. Há relatos de que Alexandre, o Grande, foi resgatado certa vez em estado comatoso por hipotermia, ocorrendo o mesmo com soldados romanos atravessando os Alpes. Estima-se que Aníbal perdeu aproximadamente 20.000 de seus 46.000 soldados no ano 218 a. C., no norte da Itália. Napoleão perdeu igualmente boa parte de seu exército pela ação do frio e relata-se que muitos dos soldados sobreviveram se protegendo com “carcaças” de cavalos mortos. Na Primeira Guerra Mundial, os aliados tiveram cerca de 235.000 baixas relacionadas ao frio europeu intenso. Na Segunda Grande Guerra, americanos e alemães tiveram cerca de 190.000 soldados lesados seriamente pelo frio. Na Guerra da Coréia, cerca de 10 % dos soldados americanos mortos sucumbiram pelo frio.

Nas últimas décadas, são inúmeras as descrições de ocorrências fatais por hipotermia nos mais diversos esportes. O atleta de esportes de aventura comumente se defronta com temperaturas ambientais muito baixas. Principalmente em modalidades como caminhadas, travessias polares, escaladas e esportes aquáticos (vela, canoagem e mergulho por exemplo). Mesmo nos grandes ralies internacionais, há casos de hipotermia (no Rally Granada – Dakar, por exemplo, no deserto, os competidores enfrentam temperaturas diurnas em torno de 45 – 50o C e horas depois, à noite, níveis próximos de 0o C).

No Brasil, são raros os locais e épocas do ano onde a temperatura ambiental é negativa. Mesmo assim, algumas modalidades esportivas podem levar à hipotermia em nosso meio, entre elas as corridas (triatlon, maratonas, race adventures, etc.), canoagem, trekking, escaladas, entre outras.

Vejamos abaixo quais são os principais sinais e sintomas de cada tipo de hipotermia:

  • Leve (35 a 33ºC):
    Sensação de frio, tremor, diminuição da atividade motora (letargia ou prostração), espasmos musculares, alteração da marcha (o atleta parece perder parte do equilíbrio ao caminhar). A pele fica fria, as extremidades (ponta dos dedos, lábios, nariz, orelhas) mostram tonalidade cinzenta ou cianótica (levemente arroxeada). A vítima mostra sinais de confusão mental. Nessa fase, o diagnóstico de hipotermia muitas vezes nem é lembrado, pois o quadro pode sugerir uma exaustão física ou um distúrbio hidro-eletrolítico (desequilíbrio envolvendo hidratação e “sais minerais”)

  • Moderada (33 a 30ºC):
    Os tremores tendem a ir desaparecendo. O atleta começa a ficar muito prostrado, sonolento, quase inconsciente. Há mudança do humor (irritabilidade, agressividade, depressão). Algumas vezes pode ocorrer inclusive euforia e perda da auto-crítica. Tudo isso confunde quem examina pois pode parecer que o atleta “deu uma melhorada”, mas na realidade está piorando gravemente Fica desorientado, com rigidez muscular, alterações da fala e da memória. A freqüência cardíaca fica mais lenta ou irregular.

  • Grave (menos de 30ºC):
    O atleta fica inconsciente e imóvel. As pupilas tendem a dilatar e a freqüência cardíaca e respiratória são quase imperceptíveis. A manipulação do atleta deve ser muito delicada, pois do contrário, podem ser desencadeadas arritmias cardíacas graves. Se não for controlada a situação, a morte é inevitável. Detalhe: a vítima em hipotermia grave tem uma depressão tão importante da consciência, da respiração e dos batimentos cardíacos que pode parecer estar morta. Tanto assim que é importante reaquecer o paciente e tentar manobras de ressuscitação intensas antes de dar o diagnóstico de morte.

    A prevenção, nos esportes de aventura é essencial e envolve alguns ítens:

  • É primordial que o atleta conheça a topografia e clima do local de sua performance. Além da temperatura, o vento, a umidade, a chuva e a ausência de sol podem ser perigosos. O vento é tão importante que há tabelas já elaboradas relacionando sua velocidade com o resfriamento da temperatura corporal, mesmo quando o clima é ameno e há sol. Esse é um dos motivos pelos quais a indústria de vestuário para esportes de aventura tem crescido tanto. Os anoraks e windbrakers , de Gore – Tex, Triple Point e Climaway, entre outros tecidos, são proteções importantes contra a ação da chuva e do vento. Obviamente, as luvas, gorros, meias e botas são também essenciais.

  • Alguns Kits de Primeiros Socorros, além de fósforos e isqueiros, possuem lençóis aluminizados (isolante térmico) e pequenos pacotes com preparados químicos, que quando manipulados, geram calor, sem fogo (usados principalmente para aquecimento de extremidades com perigo de congelamento)

  • · Nos esportes outdoor são importantes as barracas e tendas, os abrigos naturais e a preparação de fogueiras e bivacs em caráter de urgência, por exemplo, na proximidade de tempestades de gelo, neve ou vendavais.

  • · A aclimatação do organismo, que dependendo do local pode exigir um período de mais de 10 dias. A condição física e atlética, neste ítem, é importante.

  • · A alimentação e hidratação adequadas durante a atividade esportiva são obviamente fundamentais.

  • As roupas molhadas devem ser trocadas por secas e “quentes”
  • Dependendo da condição atlética, o atleta pode ser estimulado a exercitar-se para produzir calor (calor endógeno), no início da hipotermia leve.

  • A ingestão de alimentos quentes também ajuda muito na manutenção do calor corporal.

    O tratamento da hipotermia inclui, inicialmente:

    • Afastar o atleta do frio, isolando-o o melhor possível.
    • Otimização das roupas que conservam o calor

    • Massagens vigorosas

    • Ingestão de alimentos e líquidos quentes

    • Banhos quentes

    • Aproximar o atleta de fontes de calor, como fogueira, radiação solar e lâmpadas.

    Nos graus mais acentuados da hipotermia, o tratamento médico deve ser urgente, envolvendo:

    • Repouso, nas fases mais avançadas da hipotermia

    • Aquecimento da vítima com bolsas quentes, cobertores térmicos, lâmpadas

    • Infusão endovenosa de soros aquecidos

    • “Lavagem” gástrica e intestinal com líquidos aquecidos

    • Inalação de oxigênio aquecido e umidificado

    Nos casos mais graves, manobras cirúrgicas são indicadas:

  • “Lavagem” pleural (as pleuras são membranas que envolvem os pulmões) e peritoneal (dentro do abdômen) com líquidos aquecidos

  • Aquecimento do sangue com circulação extracorpórea (o sangue é circulado fora do organismo em máquinas especiais e recolocado no paciente)

    Assim, finalizando, este texto mostrou resumidamente as noções que o atleta de esportes de aventura deve ter sobre hipotermia. Essa situação é mais uma daquelas que podem lenta e sutilmente levar o atleta a um grave risco de vida, e quando detectadas a tempo, podem ser tratadas com certa facilidade.

    Obviamente, o frio intenso traz inúmeras outras lesões que não foram abordadas neste texto, como as “queimaduras” pelo frio, os congelamentos de extremidades do corpo, os “resfriados e gripes” e afecções da garganta e pulmões.

    Advanced Trauma Life Support
    American College of Surgeons
    Chicago, 1993

    Hypotermia
    Intensive and Critical Care Digest
    Sheehy TW, Navary RM. 1985

    Advanced Cardiac Life Support
    American Heart Association
    Texas, 1997

    Essentials of Exercise Physiology
    McArdle, Katch, Katch
    Pennsylvania, 1994

    Medicine for Mountaineering and Other Wilderness Activities
    Wilkerson, JA
    California, 1992

    Manual de Medicina Deportiva
    Comisión Médica del Comite Olímpico Internacional
    Calgary, Alberta, Canadá

    Este texto foi escrito por: Dr. Clemar Corrêa, especial para o Webventure

    Last modified: agosto 23, 1999

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    Redação Webventure
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