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Com fama de malvados e quase sem leis de preservação, algumas espécies de tubarões já começam a desaparecer

Redação Webventure/ Mergulho

Carcaças descartadas após finning no Senegal (foto: Sebastián Losada)
Carcaças descartadas após finning no Senegal (foto: Sebastián Losada)

Eles não são bonitinhos como os golfinhos, muito menos fofinhos como as focas, mas estão precisando de proteção e de mais simpatia por parte da população. Apesar da cara agressiva, os tubarões têm grande importância na natureza, pois são os reguladores do ecossistema marinho em todo o planeta. Agora, muitas espécies correm sério risco de desaparecerem das águas que banham o litoral brasileiro. É o que mostra o resultado preliminar de um estudo feito pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O instituto ainda não divulgou os nomes das espécies ameaçadas, pois o estudo está em fase final de consolidação. Mas, de acordo com os dados iniciais, cerca de 60 das 169 espécies de tubarões e arraias registradas no país passam por algum nível de ameaça. Duas delas já são consideradas extintas em certas regiões. Os dois grupos de animais entram na mesma classe, que é a dos elasmobrânquios, pois apresentam várias características similares, como esqueleto de cartilagem, boca na parte de baixo da cabeça e possuem entre cinco e sete brânquias.

Apesar dos elasmobrânquios serem parecidos, são os tubarões que desempenham um papel de destaque no ecossistema. Como eles existem há cerca de 350 milhões de anos e estão no topo da cadeia alimentar marinha, acredita-se que regulam toda a vida nos oceanos. Paulo Guilherme “Pinguim”, diretor da organização Divers for Sharks, entidade que protege esses animais, conta que “no Canadá, por exemplo, acabou o bacalhau em determinada região porque caçaram todos os tubarões. Sem os predadores, as focas tiveram um super crescimento da população e acabaram dizimando a população de bacalhau”.

A lógica é que todo ecossistema possui várias camadas que se relacionam pela caça. Com a retirada do predador, as espécies da camada inferior (suas presas) desenvolvem uma superpopulação e dizimam a camada que vem logo abaixo. depois, essa superpopulação também pode acabar por falta de comida. Em outras palavras, a extinção de predadores causa sérios desequilíbrios ecológicos.

Na lista do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), 12 espécies de tubarões e arraias constam como ameaçadas de extinção e não deveriam ser pescadas, como o cação-anjo, o tubarão-lixa ou a arraia-viola. Apesar disso, vários animais são capturados acidentalmente. Ao mesmo tempo, várias espécies podem ser encontrados em peixarias e supermercados com o nome genérico de cação, mas a grande maioria é capturada para exportação.

A grande vilã nesta história é uma pratica chamada finning, que se popularizou nos últimos 20 anos e consiste em retirar as barbatanas de tubarões ainda vivos e descartar a carcaça no mar. Esse tipo de pesca tem crescido sobretudo por conta de uma enorme demanda por barbatanas no mercado asiático, principalmente na China. É o que conta Marcelo Szpilman, biólogo marinho e diretor do Instituto Aqualung, entidade de proteção da vida marinha: “durante a Dinastia Sung, entre os anos 960 e 1279, um pequeno grupo da elite chinesa começou a consumir uma espécie de macarrão gelatinoso feito a partir da cartilagem das nadadeiras de tubarão e o prato ficou conhecido como ‘sopa de barbatana de tubarão’”.

Segundo Marcelo, o consumo do prato era muito restrito, até que um certo almirante Cheng Ho, voltando da África, trouxe centenas de quilos de nadadeiras de tubarão que eram descartadas em favor da carne. Segundo ele, “a sopa de barbatana de tubarão ganhou então popularidade e se tornou um prato muito oferecido nos banquetes formais da elite durante toda a Dinastia Ming”.

Szpilman conta que essa tradição foi abandonada durante o governo comunista de Mao Tsé-Tung, mas após a reabertura econômica voltou com toda a força, dessa vez impulsionada pelas elites emergentes. “Com a globalização e o forte crescimento econômico, mais de 300 milhões de chineses prosperaram e ascenderam ao grupo dos ávidos por mostrar seu novo status. Assim, a sopa de barbatana de tubarão passou a ser um prato obrigatório na China, em quase todas as grandes recepções, banquetes e nas refeições de negócios importantes”, afirma Marcelo.

O finning recebe impulso também por motivos de praticidade e para a maximização dos lucros. Para carregar a carcaça do tubarão é necessário um sistema de refrigeração, que possui um custo razoável, enquanto o valor de mercado da carne é de apenas 1,50 dólar por quilograma. No caso das barbatanas, elas só precisam ser secas ao sol e o quilo alcança um valor médio de 50 dólares, podendo chegar a até 100 onde a demanda é maior.

Segundo Wendell Eseol, diretor geral da Sea Shephard Brasil, entidade de proteção dos animais marinhos criada por um dos fundadores do Greenpeace, “há um tempo várias empresas utilizam o termo de ‘insumo para ração’ nas guias de exportação, quando na verdade estão exportando barbatana de tubarão. Além do crime ambiental, tem o crime de evasão de divisas, porque a barbatana chega a valer mais de 100 reais o quilo, muito acima do valor de ração”.

No Brasil, a prática do finning é proibida pelo Ibama, que determina que o peso das barbatanas na carga de um navio seja equivalente a 5% do peso da carne, mesma proporção que têm no corpo do animal. Contudo, como os tubarões já chegam cortados, muitos afirmam que essa regulamentação é facilmente burlada, pois a barbatana seca perde o peso da água, enquanto o contrário acontece com a carne congelada. Também se critica a fiscalização, tanto dos barcos que pescam de forma regularizada, como dos que entram em nossas águas sem autorização.

Wendell afirma que “não se tem registro de todas as embarcações que entram em nosso litoral. Há muitos relatos de velejadores de que grandes embarcações, principalmente asiáticas, são vistas caçando na costa brasileira e vão embora sem pagar impostos”. Segundo Wendell, falta investimento para resolver este problema: “O Ibama, o ICMBio e a Marinha tentam fazer o que podem, mas não têm o orçamento necessário, a Marinha não tem efetivo para proteger a nossa costa”.

Segundo Paulo “Pinguim”, da Divers for Sharks, a fiscalização é ineficiente porque “grande parte da medição é apenas por amostragem, a fiscalização aparece apenas em determinados barcos e em determinados dias. Não temos dados efetivos do volume de pesca legalizada no Brasil e temos um grande volume de pesca ilegal”. Para se ter ideia do tamanho do problema, Paulo exemplifica: “já houve apreensão de carga com três toneladas de barbatana, o que equivale a cerca de 280 mil tubarões”.

No Brasil, o consumo interno se restringe basicamente à “carne de cação”, nome genérico para qualquer tubarão e, às vezes, adotado também para arraias. A nomenclatura genérica, contudo, é usada comercialmente. Wendell reclama que “no supermercado, quando se compra peixe, vemos merluza, corvina, tainha, mas com cação é tudo igual.” Segundo ele, “a importância de saber o nome é saber a procedência da carne que se está consumindo, se não vem de espécies ameaçadas”. Para ele, o problema ainda se agrava porque a população não questiona a origem do que compra.

Paulo “Pinguim”, que está participando de uma ação contra o Carrefour, conta que em uma audiência a rede de supermercados alegou não ter possibilidade de conferir a origem de cada produto, devido a grande quantidade de fornecedores. Mas, ele levanta uma questão: “se eles não sabem da onde vem a carga, como podemos confiar na qualidade do produto?” “Além da questão ambiental, entra aí uma questão de defesa do interesse do consumidor”, completa ele.

Além da possibilidade de animais em risco de extinção serem comercializados, ainda existe o desrespeito aos limites de tamanho, que deveria garantir a sobrevivência dos filhotes até a idade adulta. Paulo conta que “em incursões ao Ceasa e a outros mercados, vemos muitos tubarões desembarcados em tamanhos menores que o permitido, mas depois que ele foi pescado não é mais possível agir. Se chamarmos o Ibama, a carga já terá sido levada quando a fiscalização chegar”.

Desde a década de 70, com o lançamento do filme Tubarão (Jaws, em inglês), a imagem destes peixes é diretamente associada a um caçador voraz, com predileção por seres humanos. Contudo, em média morrem por ano apenas cinco pessoas atacadas por tubarão. Marcelo Szpilman fala que “a imagem do tubarão atrapalha muito a defesa do animal”. Para ele, quando se defende a proteção dos tubarões “o trabalho é muito maior do que quando se fala em salvar golfinhos, tartarugas ou baleias. Precisa explicar muito até as pessoas entenderem e aceitarem essa necessidade”.

Szpilman afirma que “é preciso convencer as pessoas de que o tubarão é um animal importante para o meio ambiente, mostrar que ele não é a fera imaginada”. Por outro lado, Wendell acha que “a educação da população é importante, mas demoraria mais do que os tubarões podem suportar”.

Proteção
Para a Sea Shephard Brasil, a atual situação dos mares pede medidas drásticas. Eles defendem uma proibição total da pesca de tubarões por pelo menos 25 anos. “A moratória é o mínimo para a caça de tubarões na costa brasileira, para que se recuperem ao menos três gerações desses animais”, afirma Wendell. Quem entra no coro é a Divers for Sharks: “pregamos a suspensão total da pesca e comercialização de tubarões e arraias, até que estudos comprovem que a população está recuperada. Hoje em dia, cotas de pesca não funcionariam porque a situação já é crítica”, afirma Paulo Pinguim.

O Instituto Aqualung, por outro lado, tem uma posição que busca amenizar a situação atual. “O que defendemos é que o tubarão precisa vir inteiro. Se estiver uma nadadeira cortada já é ilegal, vários estados dos Estados Unidos já regulamentaram a pesca dessa forma”, afirma Marcelo Szpilman. Segundo ele, essa mudança tornaria a fiscalização mais prática de ser realizada, pois “se o cara for fotografado cortando a nadadeira, já existe a prova de que cometeu o crime”. Mesmo com essa proposta, Szpilman concorda que “o ideal seria mesmo proibir a pesca do tubarão por muitos anos.”Não é como a sardinha. O tubarão leva muito mais tempo para se repor. A fêmea só amadurece em cerca de oito anos e se acasala apenas a cada dois anos”, afirma ele.

O Ministério da Pesca e da Aquicultura, que foi criado em 2009, é o responsável pelas políticas para o setor no país, inclusive por estabelecer os limites da atividade para preservação das espécies. Questionado pelo Webventure sobre a atual situação de risco dos tubarões no país, o ministério afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o Brasil já assina diversas organizações de ordenamento pesqueiro, o que levou à proibição do uso de redes de emalhe de superfície oceânica, mais conhecidas como malhão, uma das grandes responsáveis por capturas de tubarões martelo. E que, desde abril, está proibida a pesca do tubarão raposa por barcos brasileiros.

Apesar dessas medidas, é reconhecido que o cenário atual não é sustentável. Segundo o próprio Ministério, o resultado final da avaliação do ICMBio é aguardado para que se possa validar uma lista oficial de espécies ameaçadas. Depois de pronta, essa lista deve “servir de subsídio para a tomada de uma série de medidas de ordenamento pesqueiro, tornando compatível o desenvolvimento da atividade de pesca e a conservação da biodiversidade aquática”. Enquanto isso, tubarões, mergulhadores e ambientalistas aguardam inquietos, pois como afirma Marcelo Szpilman, “a situação está tão grave que a pesca pode acabar sozinha por falta de tubarões”.

Este texto foi escrito por: Pedro Sibahi

Last modified: setembro 12, 2011

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