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Cicloturismo nos Lagos e Vulcões – uma viagem sobre duas rodas no Chile e Argentina

Nesta coluna, o guia de cicloturismo Jorge Blanquer Rodrigues, do Clube de Cicloturismo, conta sobre a fascinante viagem pela Rota dos Vulcões, ao norte da Patagônia, entre o Chile e a Argentina. Jorge dá muitas dicas sobre o planejamento da viagem e fala das belezas locais.

O verão austral (dezembro a fevereiro) é o melhor momento para o cicloturismo na Rota dos Lagos e Vulcões. Por isso, comece a se planejar já! Confira a reportagem.

Realizar uma viagem de bicicleta pela América do sul entre Chile e Argentina, foi um sonho de muito tempo, desde a época que iniciei no Cicloturismo em 1995.

Desde então, tracei inúmeros percursos na frente do mapa, viajando na imaginação de como seriam as estradas e cidades desenhadas em seus contornos. Esse momento tão especial que tanto aguardava, realizei entre dezembro de 2004 e janeiro de 2005, durante 30 dias perfeitos.

Defini uma travessia percorrendo a famosa Região dos Lagos e Vulcões entre Chile e Argentina na Patagônia Norte.

Essa região revela um dos mais belos cenários da América do Sul, sendo formado por um conjunto de lagos glaciais com água incrivelmente cristalina, e belos vulcões que desafiam nossa vista com a sua imponência e magnitude, além das maravilhosas paisagens nevadas da onipresente Cordilheira dos Andes.

Foi com essa expectativa que parti de São Paulo para Santiago do Chile, levando comigo todo o equipamento cuidadosamente separado para realizar a viagem com segurança.

Logo chegando a Santiago no dia 20 de dezembro, peguei um ônibus até a cidade de Villarrica, inicio da jornada de bicicleta.

Villarica destaca-se pelo seu lago homônimo, tendo em seu horizonte a presença do vulcão ativo que também tem o mesmo nome.

Só no dia seguinte a chegada em Villarrica, pude finalmente realizar o sonho de iniciar o primeiro dia de pedalada, seguindo em direção ao principal centro de esportes de aventura no Chile, a cidade de Pucón distante 25 km.

Nos três dias que estive em Pucón, conheci o belo Parque Nacional Huerquehue, tendo como atrativo os lagos Verde e Toro, rodeados por montanhas e amplas áreas verdes.

Agora, um dos momentos mais especiais da viagem, foi o “desafio” de subir o vulcão ativo que domina toda a paisagem da aventureira cidade, com seus 2.874 metros cobertos de neve.

Sua imponência enchia meus os olhos de admiração e vontade de desafiá-lo numa escalada até seu cume ativo. Lógico que não perderia essa oportunidade especial, e esperei o melhor dia para subir suas paredes de neve. Escolhi uma agência especializada dentre centenas que existem no principal eixo da cidade, a Av. Libertador General O’Higgins.

Junto com um grupo de turistas, subi durante três horas numa “escalaminhada” em ziguezague, até o topo onde se pode admirar de um lado a bela paisagem da região dos lagos, e de outro a esfumaçada e profunda cratera que assusta todos os novatos com suas explosões de lava.

Partindo de Pucón, pedalei 56,83 km contornando o lago Calafquen e passando por Lican Ray até chegar em Coñaripe, onde acampei por uma noite. Ainda em Coñaripe era possível avistar o vulcão Villarrica!

No sexto dia de viagem, fiz a pedalada mais longa da viagem, percorrendo 79km até Choshuenco, na companhia dos lagos Pulhinque e Panguipulli.

Esse foi o dia que tive meu primeiro e sofrível contato com os conhecidos insetos batizados de Tábanos. Já tinha ouvido falar deles aqui no Brasil, mas não dei muita importância pela sua fama. Não imaginava que eles fossem molestar tanto durante os dias de viagem que seguiram, vindo aos milhares em minha direção, formando uma nuvem que me acompanhava na pedala. Não tinha repelente que funcionasse, o negócio era se acostumar com a situação e aceitá-los como “amigos” inseparáveis.

De Chonshuenco, pedalei 31 km até chegar a Puerto Fuy, onde se pode admirar o vulcão El Mocho. Neste mesmo dia, fiz a travessia de balsa pelo lago Pirihueico, onde se pode avistar uma verde paisagem até chegar ao porto de mesmo nome, onde fiz um camping selvagem em sua praia.

No oitavo dia de viagem, parti em direção a fronteira com a Argentina no Paso Huahum, num dia chuvoso e com fortes ventos. Essa fronteira é muito pouco utilizada para atravessar de um país a outro, em razão dos poucos horários disponíveis para fazer a travessia pelo lago Pirihueico, o que tornou a pedalada tranqüila e sem nenhum carro. Pedalei 57,56 km beirando o lago Lacar até chegar a San Martin de Los Andes.

San Martin é uma cidade charmosa e famosa por sua arquitetura típica e pela estação de esqui localizada no Cerro Chapelco. Como cheguei aqui no dia 29 de Dezembro, decidi passar o ano novo junto com o pessoal que conheci no albergue onde estava hospedado.

Infelizmente o clima não foi de muita comemoração, em razão do incêndio ocorrido num boliche em Buenos Aires onde várias pessoas morreram. A Argentina ficou chocada com o que aconteceu e não se falava de outra coisa.

Aproveitei os três dias parados para descansar, repor os equipamentos e revisar a bicicleta. Sem tempo a perder, parti de San Martin no primeiro dia do ano, para iniciar o trajeto mais famoso da Região dos Lagos, a Ruta de Los Siete Lagos. São 110 km de paisagens deslumbrantes, ligando San Martin a Villa La Angostura.

Essa rota atrai cicloturistas do mundo inteiro, o que pude comprovar por vários encontros que tive nos dois dias que percorri seu caminho. Passei pelos lagos Hermoso, Falkener, Villarino, Traful, Correntoso, Esperro Chico e Espejo. O mais interessante da Ruta são os inúmeros campings que existem em cada um desses lagos. Realmente vale a pena curtir a estrada por vários dias!

Cheguei a Villa La Angostura no 12o dia de viagem, onde tive a oportunidade de admirar a imensidão do Lago Nahuel Huapi. O pricipal atrativo da cidade é o Parque Nacional Los Arrayanes, situado na península de Quetrihué, onde abriga inúmeras árvores raras de mesmo nome.

São enormes troncos de tom amarelado e retorcido, que alcançam até 25 metros de altura, chegando aos 300 anos de idade. Para chegar até o bosque, percorri de bicicleta uma trilha de 12 km muito bonita que em alguns momentos se pode avistar o lago Nahuel Huapi.

No 15o dia de viagem parti para San Carlos de Bariloche, viajando boa parte do tempo na companhia do lago Nahuel Huapi. A cidade é um dos principais centros de inverno da Argentina, atraindo inúmeros turistas estrangeiros que visitam suas estações de esqui e picos nevados.

Nos dias que estive em Bariloche, subi o Cerro Campanário, onde as vistas de seus mirantes são considerados os mais belos cartões postais do mundo, onde se pode ver a imensidão do lago Nahuel Huapi, o Cerro Lopez e a península de San Pedro. Também pedalei pelas estradas pouco seguras do conhecido “Circuito Chico”, onde a falta de acostamento, trechos sinuosos e inúmeros carros passando muito perto criavam um certo perigo.

Depois de 12 dias pedalando pela Argentina, segui o roteiro planejado voltando para o Chile na travessia dos Lagos Andinos, partindo do Puerto Pañuelo localizado a 28km do centro de Bariloche. Esta bela travessia também conhecida como Cruce de Lagos, foi feita alternando trechos navegados de Catamarã, e trechos de estrada de rípio onde a bike entrava em ação.

Depois de atravessar os lagos Nahuel Huapi e Frias, pedalei 10 km de forte subida em direção ao Paso Vicente Perérez Rosales, entrando na área do parque nacional de mesmo nome. Depois de cruzar a fronteira, enfrentei uma cansativa e perigosa descida numa estrada de rípio em péssimo estado de conservação.

A bicicleta pulava tanto na descida que me exigiu muita destreza para não levar um tombo feio. O final desta alucinante descida foi recompensada pela maravilhosa vista do Cerro Tronador, com 3.491 metros de altura, e seu cume coberto de neve eterna que contrastava com o belo azul do céu.

Depois de pedalar 26 km, o ponto final do dia foi na vila de Peulla, onde se encontra a Aduana Chilena. Aproveitei a bela noite estrelada para acampar no jardim da casa do Guarda Parque.

No dia seguinte, continuei a travessia cruzando de Catamarã o lago Todos Los Santos até Petrohué, localizada aos pés do vulcão Osorno. Durante a travessia, é possível ver a aproximação do belo vulcão se destacando no horizonte, além de avistar o vulcão Pontiagudo e belas quedas d’água.

Logo chegando em Petrohué, procurei o melhor camping para passar a noite, e aproveitei o final de tarde para caminhar na trilha chamada de “Sendero da Desolación”, que leva até a base do vulcão Osorno passando por suas corredeiras formadas pelo degelo.

No dia seguinte fiz a última pedalada da viagem até a cidade de Puerto Varas, ainda na “boa” companhia dos insetos Tábanos que havia comentado anteriormente. Pedalei 16 km beirando o rio Petrohué até Ensenada, e depois mais 50 km até Puerto Varas sempre avistando o grande lago Llanquihue e o vulcão Calbuco.

Foi muito gratificante a experiência de pedalar pelas estradas mais belas e conhecer os melhores destinos naturais da Região dos Lagos e Vulcões. Não é por pouco que essa região atrai centenas de cicloturistas de todo o mundo.

  • 530km pedalados em 23 dias (dezembro e janeiro 2004/2005);

  • 4 horas de travessias em barcos;

  • 17 lagos: Villarrica, Calafquen, Pullinque, Panguipulli, Pirihueico, Lacar,Hermoso, Falkener, Villarino, Traful, Correntoso, Espejo Chico, Esperro, Nahuel Huapi, Frias, Todos Los Santos e Llanquihue;

  • 7 vulcões: Villarrica, Quetrupillán, El Mocho,Tronador, Osorno, Puntiagudo e Calbuco;

  • 6 Parques Nacionais: Villarrica, Huerquehue, Lanín, Nahuel Huapi e Vicente Perez Rosales;

  • 1 milhão de Tábanos me acompanharam na viagem.

    BIKE

    Barraca
    Isolante térmico
    Alforjes
    Capa para bicicleta
    Termômetro
    Ciclocomputador
    Canivete Suíço
    Kit de ferramentas e remendo
    Bomba e câmera de ar
    Silver Tape
    Caramanholas (2)
    Cadeado
    Isqueiro e fósforos
    Álcool 92 (1 litro)
    Recipiente para o álcool
    Purificador de água
    Detergente
    Fogareiro
    Panela
    Talheres
    Lanterna
    Despertador
    Travesseiro inflável
    Pilhas
    Pano para limpeza em geral
    Corda para varal
    Sacos Zip-lok
    Papel alumínio
    Produtos de higiene
    Mapa e roteiro de viagem detalhados
    Caderno para diário
    Caneta
    Capacete
    Toalha

    FOTOGRAFIA

    Câmera fotográfica Reflex
    Câmera fotográfica Digital
    Bolsa
    Flash
    20 rolos de filme cromo
    Tripé
    Filtros polarizador e UV
    Cabo disparador
    Bateria reserva
    Cartão cinza
    Etiquetas para identificação dos filmes

  • Não é obrigatório visto e passaporte para entrar no Chile e Argentina, bastando o RG brasileiro. Porém é recomendável viajar com o passaporte.

  • O período que fiz a viagem é muito bom, fazendo um calor aceitável durante o dia, numa média de 25 graus, e um pouco de frio durante a noite. É normal alguns dias com frentes frias trazendo chuva e forte vento. O desagradável em realizar a viagem nesse período é a presença de milhares de insetos chamados de Tábanos que infernizam todo mundo que não está acostumado. Não há repelente que resolva.

  • Recomendo que se leve roupa para frio e calor, sol e chuva, porque é muito provável que você passe por diversas condições climáticas.

  • Para subir no vulcão Villarrica em Pucón é necessário procurar uma agência especializada, já que é proibido pela administração do parque ir por conta própria, a não ser que você prove que é alpinista profissional e filiado a alguma associação. As agências oferecem todo o equipamento para caminhar na neve.

  • O Chile é um país caro para fazer turismo e acaba sendo mais interessante e barato ficar nos inúmeros campings que existem na região dos lagos, ou mesmos em albergues quando se sente a falta de uma cama. A Argentina é um país pouco mais acessível para os brasileiros. O interessante é saber que na Argentina, em alguns lugares existem dois preços, um para os estrangeiros e outro para os argentinos que pagam 50% a menos.

  • Acampar na beira dos lagos é permitido, desde que seja feito dentro de um camping autorizado. Caso não haja um camping nas proximidades do lago, o camping selvagem é permitido.

  • As estradas tanto no Chile quanto na Argentina são bem sinalizadas o que torna difícil alguém se perder pelos caminhos. O ripio (como eles chamam a estrada de terra e cascalho) ainda predomina em muitos trechos da região dos lagos. Entretanto, ambos os paises estão iniciando o asfaltamento dos últimos trechos de ripio, o que pode gerar uma perda do lado natural da região.

  • Reparei muito na educação do povo chileno e simpatia dos argentinos, não tive maiores problemas de relacionamento.

  • Os carabineros (guardas ou policiais) chilenos e argentinos não implicaram nos dias que cruzei as fronteiras de bicicleta, muito pelo contrário, eles incentivavam de desejavam boa sorte.

  • As casas de câbio costumam aceitar reais, deixando de ser necessário comprar dólar para a viagem. Mas é bom comprar um pouco de moeda local para as primeiras despesas.

  • Os parques nacionais no Chile e Argentina são muito organizados, tendo em vista o grande número de turistas que os visitam, porém enfrentam o mesmo problema que temos com relação ao número pequeno de guardas parques que administram e controlam suas áreas. Verifique antes os horários de funcionamento e valor do ingresso de visitação, pois todos cobram.

  • A travessia dos Lagos Andinos ou Cruce de Lagos entre Bariloche e Puerto Varas, e vice e versa, só é realizado e operado exclusivamente por uma única empresa, o que torna essa viagem um privilégio para poucos já que eles cobram caro e em dólar.

  • Viajar de ônibus pelo Chile, entre Puerto Varas e Santiago é muito confortável, porém as empresas não fazem parada para o lanche. Vá prevenido

  • Não passei por nenhuma situação de falta de segurança, mesmo pedalando sozinho nas estradas e visitando lugares super turísticos. Mas nada melhor como ter sempre cuidado e prudência com os pertences.

  • Você vai ter a oportunidade de conhecer e pedalar com centenas de cicloturistas do mundo inteiro, é muito excelente experiência!

    * Jorge Blanquer Rodrigues: Advogado, membro do Clube de Cicloturismo do Brasil, escreveu especialmente para o Webventure. Iniciou no cicloturismo em 1997. Fez viagens de Curitiba a Florianópolis via litoral, Cunha à Parati, além de inúmeras viagens pela Serra do Mar e interior do Estado. Realizou exposições fotográficas de suas viagens na Adventure Sports Fair 2002 e 2003 e no Salão das Duas Rodas 2001 e 2003.

    Este texto foi escrito por: Jorge Blanquer Rodrigues*

    Last modified: novembro 23, 2005

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