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Vai esquiar? Algumas considerações minhas sobre o assunto

Redação Webventure/ Destino Aventura, Montanhismo

As pistas avançadas são representadas por um losango preto e têm inclinação superior a 20° (foto: Arquivo pessoal)
As pistas avançadas são representadas por um losango preto e têm inclinação superior a 20° (foto: Arquivo pessoal)

Esqui e montanhismo são duas atividades que estão naturalmente interligadas, pelos menos em regiões montanhosas temperadas. A maioria dos escaladores de montanha norte-americanos, europeus e japoneses que eu conheço também esquia, pois as utilidades do esqui são muitas, ao contrário do snowboard.

Entretanto, não me lembro de ter conhecido um escalador brasileiro que usasse esqui nas escaladas embora sempre encontremos brasileiros nas estações de esqui da América do Norte e da Europa. Em estações da Argentina e do Chile, por exemplo, a língua portuguesa já se tornou comum, mas estas pessoas são turistas comuns, a maioria tendo seu primeiro contato com neve.

Esse tipo de turismo obviamente promove diversão e muitas gargalhadas especialmente para quem está assistindo. E essas pessoas não precisam ficar desanimadas ou acanhadas, afinal quedas desconcertantes são comuns até para os mais experientes, quando estes testam seus limites. Aliás, cair sobre camadas de neve novas e espessas é melhor do que cair na água (mas se for a neve for antiga e compacta, dói!)

Esquiar é um esporte caro. Bons equipamentos novos, como esquis, botas e roupas, custam no total cerca de 2 mil dólares. Obviamente, vale mais alugar esses equipamentos. Mas caro mesmo é o preço dos teleféricos. Nas estações mais badaladas dos Estados Unidos e do Canadá, ele pode custar mais de 100 dólares por dia ou 50 nas estações menores e desconhecidas.

O problema é que não há sempre garantia de neve de qualidade. Os meteorologistas não conseguem prever isso. Você pode planejar suas férias com meses de antecedência, comprar um pacote de viagem, e, ao chegar lá, pode acontecer muitas coisas:

>> Pode não ter nevado o suficiente na temporada;

>> No período que você chegar pode ter o azar de fazer “calor” (temperatura superior a 2° C) e a neve se tornar uma pasta úmida e desagradável, boa apenas para fazer bolas e bonecos de neve. Na Argentina, os brasileiros são conhecidos como “tira bolos”: vão para Bariloche fazer guerrinhas de bola de neve, o que não deixa de ser divertido.

>> Pior: pode chover em vez de nevar. Quando isso ocorre com temperaturas abaixo de zero grau, a película de água na sua roupa pode congelar, tornando o vestuário uma armadura. Isso ocorre nas inversões térmicas, quando as camadas de ar superiores ficam mais quentes do que as camadas próximas da superfície;

>> Mas se depois da chuva voltar a fazer frio, a superfície úmida da neve recongela, formando uma carapaça de gelo que torna o esqui um esporte desagradável;

>> Se passar algumas semanas sem nevar, as pistas ficam com a neve tão compacta que parece gelo.

Enfim, existem várias situações desagradáveis que tornam o esqui impraticável, como ainda visibilidade menor que 10 metros por causa da neblina, vento muito forte, ou frio entre menos 10 e menos 40°C. Entretanto, talvez a mais decepcionante seja a precipitação de neve extrema, que acumula camadas de neve muito espessas, de até 1 metro em um dia. Neste caso, as avalanches são eminentes. Ou se seja, tem neve em abundância e de altíssima qualidade, mas você não pode ou não deve esquiar. É quase um suicídio, exceto em topografias onde as avalanches são raras. Nas estações de esqui, seus administradores costumam provocar avalanches com a detonação de dinamite, para controlar o risco de avalanche natural. Mas, nem sempre isso é possível.

Até 1995, eu nunca havia pensado em esquiar. Comecei neste ano por influência da minha esposa, Shaysann Kaun, e da família dela, que mora no estado de Washington, nos Estados Unidos. Minha primeira tentativa foi em Schwaitzer, Idaho. Comprei material usado e comecei no que eles chamam de bunny hill (ladeira do coelinho), termo normalmente usado para uma pista curta e de inclinação suave para iniciantes.

Cai mais de 50 vezes e de todas as formas que você possa imaginar levantar depois de tantas quedas nos deixa exausto. Não consegui completar uma única descida naquela droga de ladeirinha do coelinho, o que me deixou irado. Fui descançar, almoçar e tomar chocolate quente. No fim do dia, consegui fazer algumas descidas com sucesso, mas ao custo de outras dezenas de quedas. O pessoal ficou contente porque achava que eu já estava esquiando, mas eu não tinha tanta certeza.

Dias depois, voltei à mesma montanha e minha amiga me levou para uma pista verde, que é a mais fácil. Desci sem muitos problemas. Mas, logo depois, ela me levou para uma pista azul, um pouco mais difícil, e disse: “Desce aí!”. Desci, cai, perdi um dos esquis e machuquei o joelho. Recuperei o esqui, coloquei o par no ombro e resolvi descer a montanha a pé.

Mas, um esquiador que trabalhava na segurança da montanha me viu e disse: “Você não pode descer andando… senta aí, que eu vou chamar ajuda.” Cinco minutos depois, chegou um snowmobil com um trenó-maca. Tive de descer de maca, contra a minha vontade, e fui direto para enfermaria.

Uma semana depois, estava eu esquiando novamente em Sun Valley, no sul de Idaho, mas com o joelho doendo. Desde então, nunca mais parei. Esquiando todos os anos, fui melhorando gradativamente até trocar o esqui de pista para o backcountry ski, que é melhor e a aventura é garantida.

Nas estações de esqui, as pistas são graduadas de acordo com a dificuldade delas. Nos Estados Unidos e Canadá, eles seguem a seguinte classificação:

>> Fácil: são representadas por um círculo de cor verde, têm até 12° de inclinação e normalmente são aplainadas por tratores.

>> Média: são representadas por um quadrado azul, têm inclinação de até 20° e são geralmente aplainadas.

>> Avançada: são representadas por um losango preto (os black diamonds), têm inclinação superior a 20° e podem ou não ser aplainadas.

>> Somente para experientes: são pistas representadas por dois losangos pretos (double black Diamonds). Elas são muito íngremes e normalmente têm obstáculos, como árvores, blocos de rocha e saltos.

>> Esqui extremo: normalmente praticado fora das estações.

Na Europa, ainda existem as pistas vermelhas, que intermediárias entre a azul e a preta.

Devido à popularidade do esqui nos Estados Unidos, existem mais de 500 estações no país, com toda uma infraestrutura, como teleféricos, restaurantes e serviço meteorológico, que analisam as condições da neve e indicam a possibilidade de riscos de avalanche. Além disso, as encostas normalmente têm pinheiros, que ajudam na orientação das descidas e mostram os corredores de avalanches.

Já no Chile e na Argentina é diferente. A infraestrutura é precária, exceto em algumas estações. Em agosto de 2007, fiquei preso em Valle Nevado, no Chile, pois caiu uma tempestade inesperada de intensidade média e a estrada ficou bloqueada porque não havia veículos suficientes para retirar a neve. Nas estações chinelas e argentinas normalmente se esquia em altitude acima da linha das árvores, em campos completamente abertos, o que dificulta a orientação em caso de neblina fica tudo branco, fundindo céu e terra. Em compensação, nesses lugares existe mais liberdade, com poucas regras, o que favorece aos que gostam mais de aventura, mesmo dentro de uma estação de esqui.

Montanhista que aprende a esquiar e e a conhecer os mecanismos que provocam as avalanches foge ou usa pouco as estações de esqui. A sensação de subir uma montanha com esqui nos pés e depois descer por um caminho somente seu, e com a neve em pó, é fantástica.

Para isso, existe um sistema em que se solta o calcanhar das botas do esqui e se coloca uma pele sintética (imitação da pele de foca) sob o esqui, sendo possível assim subir encostas de até 40 graus de inclinação. Depois, lá em cima, se tira a pele, se encaixa os calcanhares e se desce mas, se a vertente for muito íngreme, tem de subir escalando com os esquis na mochila.

Nos Estados Unidos e no Canadá isso é conhecido como backcountry ou mountaineering ski. A utilidade desse tipo de esqui no montanhismo é grande. Por exemplo: em uma expedição longa, é possível puxar um trenó de equipamentos com esse tipo de ascensão; ou se evita de você afundar na neve às vezes, até a cintura; ou os esquis são muito úteis em salvamentos; etc. Só um detalhe: este tipo de esqui difere do esqui de fundo (cross-country ski), que as pessoas usam em terreno plano ou suave, como exercício aeróbico.

Este texto foi escrito por: Antonio Paulo Faria

Last modified: fevereiro 2, 2012

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