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Respirando o ar rarefeito

Redação Webventure/ Aventura brasil

Montanhista Paulo Coelho acampando na enconsta do Mt. Everest (foto: Helena Coelho)
Montanhista Paulo Coelho acampando na enconsta do Mt. Everest (foto: Helena Coelho)

O que um montanhista quase chegando ao cume do Everest, enfrentando 40o C, ventos que podem passar dos 100 km/h e mal conseguindo respirar veria se olhasse para cima? O céu e o pico? Sim! Pedras e neve? Certamente. Mas pode ser que ele visse também um bando de gansos asiáticos, voando acima da sua cabeça, batendo suas asas vigorosamente, enquanto que ele mal conseguiria caminhar, com tamanha falta de ar, próximo ao seu limite fisiológico.

Se a fadiga e a falta de oxigênio lhe permitissem pensar a respeito ele certamente ficaria intrigado com tal visão. De onde estas aves tiram tanto oxigênio para voar onde ele mal consegue se agüentar de pé?

Mas a pergunta certa não é de onde elas tiram o oxigênio. A pressão do ar no pico do Everest (8.850m) é tão baixa para um homem sentado lá em cima quanto para um ganso que passa voando ao seu lado. Para termos uma idéia, lá em cima ela é cerca de 30% do que encontramos ao nível do mar. A diferença não está ai. Afinal ambos inspiram o mesmo ar, com a mesma pressão e com a mesma quantidade de oxigênio e no entanto, os gansos conseguem voar gastando muita energia, que somente pode ser obtida com o consumo de uma grande quantidade de oxigênio.

A pergunta certa é: como as aves conseguem o oxigênio que tanto precisam? Mas ambos não respiram por pulmões, grandes sacos que enchem de ar para absorver o oxigênio presente na atmosfera? Sim. Mas apesar da forma de absorver este oxigênio ser a mesma, pressionando-o contra as paredes dos capilares sangüíneos, a forma de encher o pulmão é que muda.

Diferentemente dos nossos pulmões, que têm apenas um orifício para entrar e sair o ar, o pulmão das aves tem dois. Um por onde o ar entra e outro por onde ele sai. Nós, quando expiramos, não conseguimos esvaziar totalmente o pulmão. O ar que entra, se mistura com o que não conseguiu sair, pobre em oxigênio, ficando com menos oxigênio do que o ar atmosférico do lado de fora.

Nas aves o ar que sai, pobre em oxigênio, não encontra o ar que entra. Assim, o ar inspirado para dentro do pulmão das aves não é diluído, tendo a mesma quantidade de oxigênio que o ar atmosférico. Ao nível do mar esta diferença é muito pequena e não importa, mas a 8000 metros, diluir um pouquinho o que já é quase nada faz toda a diferença.

*com a colaboração de Marcelo Krings e Tomás Gridi Papp.

Assim como aconteceu com a falta de asas que impedia o homem de voar como as aves, nós também conseguimos criar uma maneira de contornar o problema de não conseguir respirar a grandes altitudes. Respirando oxigênio adicional aumentamos a proporção deste gás dentro do nosso pulmão (que é normalmente um pouco mais de 20%) e consequentemente aumentamos sua pressão parcial (proporção da pressão atmosférica relativa a quantidade de um determinado gás).

Quando respiramos a 8.000 metros, a pressão do ar é de cerca de 270 mmHg, e a pressão parcial do oxigênio é cerca de 55 mmHg (+ 20%). Isto não é suficiente para pressionar moléculas suficientes para dentro do nosso sangue. Se aumentarmos em 10% a quantidade de oxigênio, sua pressão parcial no ar respirado será de 80 mmHg, ou seja, o equivalente a pressão parcial de O2 a 6000 metros de altitude, o que já é um grande aumento.

Entretanto, a opção de respirar oxigênio extra pode ter suas desvantagens. O equipamento de oxigênio corresponde a uma carga que pode ser muito penosa de se carregar. Além disso, ir acima de onde você consegue naturalmente pode lhe trazer problemas graves se você ficar preso (em um mau tempo por exemplo) e seu oxigênio acabar ou o aparelho enguiçar. Se isto acontecer você terá que passar muito tempo acima do seu limite fisiológico de respirar, o que pode ser até fatal.

O problema direto da falta de ar é ao causar exaustão, tonturas ou dificuldade de raciocínio e julgamento, o que pode ser extremamente perigoso para quem está vivendo no seu limite, andando perto de gretas e paredões de gelo.

Além da falta de energia, a maior conseqüência de toda esta falta de ar é que não conseguimos permanecer muito tempo a grandes altitudes. É aconselhável não ficar acima de 7000 metros por mais de 5 dias, nem acima de 8000 metros mais de 2 dias, a menos que se esteja preso em uma séria tempestade. Prolongar a estadia nestas altitudes somente aumenta a deterioração do organismo.

Entretanto, os maiores problemas relacionados à falta de ar vêm das reações do organismo a esta situação. Quanto maior a altitude, maior será a nossa produção de células vermelhas, que transportam o oxigênio no sangue. Com mais células, dá para manter mais oxigênio rodando no sangue, diminuindo um pouco a fadiga.

Entretanto, um aumento exagerado de células sangüíneas pode vir a acarretar problemas circulatórios, com diminuição do fluxo de sangue nos vasos mais finos. Isto pode dificultar a circulação periférica, podendo colaborar com o congelamento de extremidades do corpo.

Outros problemas são os edemas pulmonares e cerebrais. Em uma pesquisa averiguando a morte de montanhistas britânicos nos picos acima de 7.000m, os edemas foram responsáveis por 17% das mortes.

  • A página da The British Mounteneering Council www.thebmc.co.uk, em parceria com a UIAA, fornece boas informações sobre altitude.

    Este texto foi escrito por: Cláudio Patto

    Last modified: fevereiro 21, 2017

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