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Monte Vinson: o ponto culminante do deserto gelado

Redação Webventure/ Montanhismo

Visual da chegada ao cume (foto: Divulgação/ Helena Coelho)
Visual da chegada ao cume (foto: Divulgação/ Helena Coelho)

A montanhista Helena Coelho faz a primeira cordada brasileira no Monte Vinson e relata os cuidados com o meio ambiente na montanha mais alta do continente.

Já havia ido algumas vezes à Antártica como alpinista do Clube Alpino Paulista para dar suporte ao Programa Antártico Brasileiro Ilha Rei George, Ilha Nelson, Ilha Elefante, Baía Esperança. Em fevereiro passado, tive inclusive a maravilhosa oportunidade de instalar GPS e sensores de pressão atmosférica para monitoramento em três icebergs dentro do projeto Garcia Projeto SOS Climate Southern Ocean Studies for understanding Global Climate Issues.

Em todas essas experiências, o contato com os cientistas brasileiros, com os participantes da Marinha Brasileira, com os glaciares, com os animais sempre me trouxe satisfação ainda mais por estar nesses ambientes pouco tocados e onde a política de preservação é bem fortemente seguida.

Algumas atitudes antárticas são particularmente interessantes: os refúgios não podem ter chaves; ou seja, qualquer pessoa pode utilizá-lo, mas tem que avisar ao país cujo refúgio pertence se usou comida, por exemplo, para ser reposta. E todo lixo tem que ser trazido de volta. Só isso já faz da Antártica um lugar especial.

Sonho – Como montanhista (escaladora), ainda tinha um sonho que parecia irrealizável no continente gelado: a escalada ao Monte Vinson que, com 4897 m de altitude, é a montanha mais alta do continente antártico. Isso porque toda a logística que envolve uma ida à Antártica devido aos meios de transporte é bastante cara.

Foi aí que Cid Ferrari, também sócio do Clube Alpino Paulista, comentou que gostaria muito de ir para lá, no seu projeto de escalar os cumes mais altos de cada continente, e que gostaria que eu fosse junto com ele para dar suporte. Fiquei muito feliz. Voltar à Antártica e para escalar! Começamos a checar a logística e verificamos que somente em dois não seria permitido fazer uma expedição brasileira. A solução foi juntar com uma expedição americana. Como eles já me conheciam do Himalaia me aceitaram como guia.

Assim é que no final do ano de 2009, fomos eu e o Cid para Punta Arenas, Chile, de onde saem os aviões russos Ilyushin que, após 4h30 de vôo, aterrissam em Patriot Hills, no interior do continente, a aproximadamente “apenas” 1000 km do Pólo Sul. Essa estação é mantida por um grupo privado que explora comercialmente algumas atividades que fazem parte do imaginário de todo “aventureiro” que se preze ir ao Pólo Sul por algumas horas, ou fazer a travessia até o Pólo desde o último grau com esquis e trenó, ou subir ao cume do Monte Vinson, ou participar de uma maratona na Antártica… Já entenderam que é tudo de bom!

Ainda em Punta Arenas, essa empresa que fornece o transporte aéreo até Patriot Hills, faz uma palestra longa sobre todas as atitudes politicamente corretas (e obrigatórias) que cada um dos viajantes tem que adotar. Carregar TODO lixo e dejetos humanos de volta para o acampamento base do Vinson, separar o xixi dos dejetos sólidos em qualquer lugar da subida, trazer de volta todos os dejetos, em local previamente demarcado pode colocar o xixi e a água servida usada ao cozinhar, mas tem que peneirar para que não caia nenhum resíduo sólido, isso com o objetivo claro de que não se contamine a neve em qualquer local, pois alguém poderá precisar beber daquela neve derretida!

Também não se pode abandonar qualquer tipo de equipamento, mesmo barraca rasgada pelos fortes ventos que vêm do Pólo Sul, nem algum equipamento submerso pelas nevadas que podem ocorrer. Você é responsável para baixar com tudo. Isso faz do Monte Vinson uma das montanhas mais limpas do mundo!!! E isso, por si só, é simplesmente espetacular. Quem dera, pudéssemos fazer isso em várias outras!

De Patriot Hills, fomos em outro avião, que cabem somente uns 10 passageiros, para o acampamento base do Mt. Vinson a 2.100 m de altitude. Fomos recebidos por pessoal da mesma empresa que faz outra palestra reforçando todos os itens de segurança e remoção de lixo.

Acampamos aí e nossa escalada começou. Apesar de estarmos juntos com um grupo maior com quem dividíamos o acampamento, a barraca cozinha e a alimentação, fizemos a nossa cordada separada, com ritmo próprio.

Montamos o acampamento I a 2.750 m de altitude, levando parte da carga em trenós. Desse acampamento, subimos para o Campo II a 3.700 m de altitude e depois de uma boa “noite” de sono, fomos ao cume e voltamos para o Campo II. No dia seguinte, baixamos com tudo para o acampamento base.

Na parte técnica da escalada, entre o Campo Base e o Campo I há algumas gretas a serem passadas, e, do Campo I para o Campo II, há trechos de cordas fixas que nem seriam necessárias, pois a neve estava bem compactada e os trechos de gelo duro eram relativamente pequenos; porém, como o desnível é muito grande e há exposições fortes em arestas, as cordas são utilizadas. Depois, na subida para o cume, não há cordas fixas, mas um ou outro trecho de gelo duro e a aresta final que é bem exposta.

Cume – No dia que subimos para o cume, foi um dia realmente especial. Estava um tempo lindo, sol, pouco vento, parecia escolhido a dedo. Colocamos todas as roupas que tínhamos, inclusive o macacão de pena de ganso, as botas duplas, luvas de pena de ganso; enfim, preparados para enfrentar o frio que viesse. Desde as 6 h da manhã, estávamos nos aprontando com a idéia de sair ainda cedo esperando usar de 12 a 14 horas para ir ao cume e voltar ao acampamento II. Após um rápido café da manhã, enchemos as garrafas de líquido, a térmica com chá, e saímos.

Desde a noite anterior, eu estava com uma indisposição que me fazia ir várias vezes ao “banheiro”. Mas, o dia era perfeito e tínhamos que ir. Depois de uma hora de caminhada, paramos para beber água e eu já estava, na verdade, suando frio. Como eu já havia dito, banheiro é bem complicado: você tem que usar os sacos plásticos e trazer tudo de volta. Continuei mais uma hora e, na parada, não teve outro jeito.

Disse para o Cid que ele teria que ir com os americanos e que eu, infelizmente, voltaria para o acampamento. Chamei o George e pedi-lhe que levasse também o meu companheiro de cordada. Esperei que eles se fossem, fiquei uma meia hora ali sentada olhando para o caminho do cume e pensando em todo o trabalho até aquele momento, e, meio que revoltada com a situação, decidi que não poderia simplesmente ir embora com um dia tão lindo. Eu estava bem, a menos daquela virose, eu iria, ao menos, fazer uma tentativa de subir!

Rearranjei minha mochila que estava bem pesada, levantei e saí. A princípio, devagar, mas ritmada, até alcançar o grupo. O Cid quando me viu ficou super feliz, e os americanos, bem, não queriam que eu prosseguisse, pois minha aparência não deveria ser das melhores. Mas, eu disse-lhes que assumiria minha cordada, que seria de minha responsabilidade, e que iria subir sim.

Foi, a princípio, dura a subida, mas, aos poucos, ritmando, galgamos mais e mais, passamos os trechos mais longos até chegar na aresta. Na aresta, como era a parte mais exposta e mais cuidado deveria ter, fui devagar, dando segurança para o Cid e aí, foi só “correr” para o abraço. A chegada ao cume foi de uma felicidade incrível. O bom tempo, mostrando todo o visual, e o prazer de ter superado o desgaste físico causado pela virose… quer dizer, superado em termos, pois, foi só chegar de volta no acampamento e … bom, não preciso nem dizer.

Conquista – Acabamos nos tornando, eu e o Cid, a primeira cordada brasileira a chegar ao cume do Mt. Vinson e eu a primeira mulher brasileira a chegar lá. Isso não é assim tão importante, a não ser para registrar na história. Os três felizardos brasileiros que já chegaram antes do Cid Ferrari e de mim a esse cume -Valdemar Niclevicz, Mozart Catão e Carlos Morey – subiram com guias estrangeiros.

No verão, há 24 horas de luz nessa parte do planeta, o que facilita a logística de escalada nessa montanha, e algum período de uma fraca sombra onde as temperaturas diminuem abruptamente, aumentando a possibilidade de riscos de congelamentos. Um dos comentários do Cid foi que ele havia sentido aí mais frio do que no Mckinley no Alaska.

Aliás, duas pessoas de um outro grupo, quando chegaram no Campo II, enquanto montavam barraca, tiveram congelamentos severos nos dedos das mãos e tiveram que abandonar a escalada.

Somadas às minhas escaladas em várias outras monthanas, acredito que o Vinson seja interessante por estar naquele deserto gelado que é qualquer coisa de simplesmente maravilhoso, um prêmio para todos nós apaixonados pelos ambientes inóspitos e muito pouco -ainda – tocados. Nossa expedição teve o apoio de: Toledo Ferrari, Samsung, Curtlo e Sportslab.

Este texto foi escrito por: Helena Coelho, especial para o Webventure

Last modified: março 17, 2010

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