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Minha Aventura: profundezas das paredes de Fernando de Noronha

Redação Webventure/ Mergulho

Surpresas animaram os mergulhadores (foto: Arquivo pessoal/ Adair Ribeiro)
Surpresas animaram os mergulhadores (foto: Arquivo pessoal/ Adair Ribeiro)

Já tive a sorte e a oportunidade de mergulhar em Fernando de Noronha em duas outras ocasiões, uma em 1993 tudo era muito complicado e a ilha tinha pouca infra-estrutura e outra em 2006. Mas desta vez ia ser diferente: na primeira semana seriam mergulhos recreativos junto com a família (é claro, esposa, filho e filha são mergulhadores também!), intercalados com mergulhos técnicos. Na segunda semana, somente mergulhos técnicos como preparação final para o grande dia em que conheceria as famosas paredes de Noronha, tendo como objetivo os 105 metros!

Este projeto começou há alguns meses, nos treinamentos e mergulhos na pedreira em Salto de Pirapora (SP). Após pesquisar a logística com vários amigos, decidi que realizaria o projeto nas férias de julho.

Foram vários mergulhos de treinamento e muita aprendizagem com a ajuda de vários amigos instrutores e duplas que participaram na realização deste projeto: Marretti, Teco, Johnny e Dino. O último treino aconteceu dia 27 de junho, no fundo da pedreira, aos 76 metros, tendo como dupla o Dino, da Dive Rite, que inclusive apoiou este meu projeto.

Posso dizer que estava preparado fisicamente, psicologicamente e com a técnica necessária para a realização segura deste mergulho. Após troca de e-mails e telefonemas com o Fernando Rodrigues, chefe de operações de mergulho da Noronha Divers, acertamos todos os detalhes para a realização dos mergulhos e do grande dia das paredes de Noronha.

Fiz vários mergulhos recreativos com a família, inclusive tirei a sorte grande ao mergulhar com algumas dezenas de golfinhos e poder filmá-los por mais de cinco minutos. Tudo deu mais que certo em todos os mergulhos que fizemos: lambarus, tubarões de recife, moréias verdes fora das tocas, lagostas, arraias xita, tartarugas, meros, badejos, mantas e golfinhos!

Preparação – Muitos pontos diferentes que não conhecia: Laje dos Cabos, Pontal da Macaxeira, Cabeço das Cordas, Pontal do Norte, Cabeço Dois Irmãos, etc. Mas, tinha muito pela frente.

Apesar de toda preparação prévia, fizemos uma série de mergulhos técnicos para ajuste de equipamentos, conhecimento mútuo de toda a equipe, aprimoramento das técnicas de mergulho com correnteza, mergulhos progressivamente mais fundos (fizemos três maravilhosos mergulhos na Corveta, a 57 metros, com penetração e tempo de fundo superior a 40 minutos), tudo para gerar mais conforto, mais experiência e mais segurança para o grande dia.

Definimos o dia do mergulho para 10 de julho e é claro, no dia anterior iria descansar e não mergulharia. Na véspera pela manhã, fizemos uma reunião e repassamos toda a operação do mergulho.

O comandante do barco Mero-Véio seria Cezário Costa, proprietário da Noronha Divers. O nosso anjo da guarda, chamado de mergulhador de segurança ou safety-dive, seria Paulo Oka, o Japa. O cinegrafista Luiz Fernando e minha dupla o Fernando Rodrigues, chefe de operações de mergulho da Noronha Divers.

Acertamos todos os detalhes de tempo de fundo, mistura de fundo, misturas de deco, run time dos mergulhadoes e do safety-dive, deep stops, paradas descompressivas e repassamos todos os detalhes e simulações para o mergulho.

Optamos, para sermos mais conservadores, fazer todos os cálculos para uma profundidade de 110 metros e ter como objetivo e alvo a profundidade de 105 metros. A mistura de fundo seria Trimix 12/60 e os gases de descompressão seriam Trimix 21/35, EAN 40 e O2 (100%).

O Japa – mergulhador-safety – acompanhou todas as trocas de gases e estará levando stages com misturas idênticas as nossas misturas de descompressão para um eventual problema por parte de algum dos mergulhadores.

Organização – Na parte da tarde partimos para a estação de recarga dos cilindros e fizemos todas as misturas previstas e “etiquetamos” todas as duplas e stages.
Tudo pronto e posso afirmar que dormi como uma pedra na noite anterior ao mergulho e pulei da cama por volta das 7h.

O Fernando passou na pousada para me pegar e fomos preparar todo o equipamento para embarcar, sem antes dar os últimos repasses em toda a operação e deixar o equipamento de filmagem pronto para os 105 metros. Confesso que estava preocupado com a minha caixa Light-Motion e minha filmadora, pois a caixa estanque é testada até os 100 metros de profundidade, mas a vontade de fazer o registro deste mergulho era bem maior.

Todos a bordo do Mero-Véio, partimos para o ponto onde seria jogada a igaratéia com mais de 150 metros de cabo. A habilidade de Cezário e de Fernando para a marcação do ponto correto foi algo fantástico de se ver. Olho na Eco-Sonda e nas marcações de terra, um pouco mais de uma milha e meia da ilha e estávamos sobre o ponto onde cairíamos.

Igaratéia no fundo, bóias amarradas na superfície, cabo até a proa do barco, água mais escuro que roxo petróleo, equipamento pronto, computador VR-3 ajustado com as misturas que utilizaríamos, slate no braço com o perfil do mergulho e paradas, Computador D-9 no modo Gauge, stages, checagem total dos equipamentos, e caímos na água…

A visibilidade era incrível, a água estava com uma temperatura de 27 graus, começamos a descer acompanhados do cinegrafista Luis Fernando e do Japa. Fernando Rodrigues desceu na frente com a minha filmadora. Uma pequena correnteza fez com que a nossa descida fosse um pouco mais lenta do que o programado.

O Japa e o cinegrafista ficaram nos 60 metros e já estávamos há algum tempo vendo o fundo, que estava aos 80 metros, quando perto dos 70 metros uma corrente trazendo uma água desconhecida dos mergulhadores de Noronha, chegou até nós. Olhei no computador e marcava 14 graus. Olhei para o Fernando e senti uma certa preocupação. Eu estava de roupa seca, mas ele estava com uma de neoprene! Confesso que nem na pedreira peguei uma água de 14 graus e senti o rosto queimar.

Próximos das paredes – Fernando deu um sinal de OK já no fundo (80 metros) e nadando em direção às paredes, que pela extrema perícia de Cezário e Fernando, ficou a pouco mais de 10 metros da igaratéia, pudemos observar que a visibilidade era absurdamente grande, podíamos enxergar o Japa e o Luis Fernando quase que na superfície.

Fomos nadando para as paredes e podíamos sentir a corrente que vinha das profundezas do paredão, extremamente gelada e nos “jogando” para fora das paredes. Pelas condições não previstas em nossa programação, decidimos ficar nos 95 metros, no limite do paredão, em sentido à esquerda. Uma quantidade de cabos junto às paredes mostrava que ali era ponto conhecido de pescadores e seus barcos.

Resolvemos não ir para o alvo, visto que o Fernando estava numa situação nada confortável com o frio e já estávamos retornando para a igaratéia, quando avistamos uma pequena caverna a nossa esquerda, com uma grande entrada e podíamos ver a saída na parte superior.

Não tivemos dúvidas, entramos pela abertura e demos de cara com uma âncora do tipo almirantado de mais ou menos 4, 5 metros de comprimento. Nadamos em sua direção e fomos subindo até a abertura da pequena caverna que estava no platô, a mais ou menos 80 metros de profundidade. Realmente, não esperávamos encontrar este atrativo em nosso mergulho, que era desconhecido, inclusive do Fernando e dos demais mergulhadores da ilha, que viemos saber depois.

Com um tempo de fundo de 15 minutos, nadamos em direção ao nosso cordão umbilical, que nos comunicava com a superfície e seria o nosso guia das longas paradas de descompressão. Estávamos enlouquecidos com a nossa descoberta. Subimos trocando sinais, a tentativa de uma comunicação sobre o achado.

Cumprimos nossas paradas profundas, o Japa deu o suporte nas trocas de gases de descompressão que ocorreram aos 66 metros, aos 30 metros e aos 6 metros e no air-break. Tudo perfeito, tudo sincronizado, tudo treinado e planejado, tudo mergulhado conforme treinado e planejado.

O que mais poderia acontecer em um mergulho desses, com uma longa descompressão de 80 minutos pela frente na companhia de uma manta gigante? E foi o que aconteceu. Em boa parte dos longos 80 minutos de descompressão ela nos presenteou com um show de acrobacias, “atuando” para as filmadoras e nos brindando com a sua presença.

A subida dos 4,5 metros até a superfície foi extremamente lenta e tiramos todos os stages e equipamentos com a ajuda do Japa, para que fizéssemos o menor esforço possível, tudo visando aumentar a segurança minha e do Fernando, em virtude do perfil do mergulho.

Sensação de descobertas – Apesar de não termos atingido o nosso alvo dos 105 metros, tudo conspirou para que tivéssemos um mergulho fantástico e fôssemos os primeiros mergulhadores a descobrir a pequena caverna com a sua âncora encravada no seu interior.

Gostaria de agradecer o apoio da Dive Rite, o profissionalismo do Fernando Rodrigues, meu dupla e guia para este mergulho, o Japa, Cezário, da Noronha Divers e de meus instrutores e duplas Teco, Marretti, Johnny e Dino. E é claro à compreensão de minha família.

Valeu galera e mergulhem sempre com segurança e planejamento!

Confira o vídeo da aventura:

Este texto foi escrito por: Adair Ribeiro Junior

Last modified: setembro 9, 2008

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