Matias segue na volta ao mundo (foto: Arquivo Pessoal/ Matias Eli)
Sai de Rodrigues no dia 08/09 às 14h e a viajem toda transcorreu sem grandes novidades nem emoções. O vento muito fraco fez com que pusesse o motor para funcionar durante 70% do tempo desta travessia curta que durou apenas dois dias. Rodrigues foi uma ótima escala! Um pouco pelo fato da viajem até lá ter sido tão dura que eu ficaria igualmente feliz em chegar no Afeganistão. Alguém já disse que velejar é rasgar notas de USD100 embaixo de um chuveiro gelado, ou a forma mais lenta, cara e desconfortável de se chagar de um lugar ao outro. Existe uma infinidade de piadas como essas e tenho que confessar que elas têm um fundo de verdade.
Então por que não pegar um avião?! Eu certamente não teria gostado tanto de Rodrigues se tivesse chegado de outra maneira. As pessoas não teriam me parecido tão amáveis e simpáticas se não tivesse passado 11 dias sozinho, a comida ceroula, a base de curry de frango, peixes ou polvo também não teria o mesmo gosto se não estivesse tão cansado de comer batatas, cebolas, enlatados e macarrão. As oito noites que passei ancorado dentro do porto com o vento roncando lá fora, mas com a âncora do Bravo bem enterrada na areia, não teriam sido tão prazerosas se não fossem as 11 noites anteriores nas quais tinha que dormir no meio da tempestade e com o barulho constante do leme. Um exercício de equilíbrio e abstração constante. Masoquismo? Não, vou de barco porque gosto do desafio.
Quando cheguei em Rodrigues havia três barcos no ancoradouro, o sueco: Lorna (um dos barcos que havia saído comigo de Cocos) o francês Portinus (um barco de aço de mais de 100 pés, caindo aos pedaços) e o Ventana de bandeira canadense. Faltava um barco! Onde está o Samasang e sua tripulação da Nova Zelândia? Saímos de Cocos Kelling juntos e achei que eles chegariam no dia seguinte. Naquela primeira noite dentro do porto dormi como um bebe, e quando acordei na manhã seguinte fui comprar uma bagete na padaria local e encontrei o Bo e a Vivi do Lorna. O casal sueco me contou as novidades! Quatro dias após ter deixado Cocos Kelling, o Samasang apresentou um problema no leme e não tinham mais como comandar o barco. Abaixaram todas as velas instalaram o leme de fortuna (leme de emergência) e desde então estavam tentando voltar para Cocos Kelling onde só conseguiram chegar sete dias depois da minha chegada em Rodrigues! Sem dúvida foi uma viagem muito pior do que a minha.
Troca de experiências – Sai da padaria e entrei numa loja de ferragens, onde pretendia comprar algumas coisas e lá dentro acabei conhecendo o Eric e a Manu, um casal de franceses que vive abordo do Portinus, o enorme veleiro negro de aço. O Eric é uma figura quase tão exótica quanto seu veleiro, com suas dreads locks loiros e um olhar alucinado, veste roupas tão encardidas e rasgadas que faz o meu visual parecer o de um cadete em festa de 15 anos. Trinta anos atrás, ele era o proprietário de uma loja de antiguidades no sul da França, onde morava com a esposa (que não era a Manu), até que um belo dia falou para sua companheira que iria tomar o dia de folga para navegar.
O pequeno passeio acabou se transformando numa travessia do Atlântico e o Eric acabou voltando para casa 10 anos depois. Comprou um veleiro maior de ferro-cemento e se mandou para o Pacífico, onde o barco afundou durante um ciclone. Voltou para a Europa e comprou a carcaça de um pesqueiro de aço em Amsterdã. Trabalhou durante quatro anos transformando o pesqueiro no veleiro que hoje se chama Portinus. O barco é uma ferrugem só, tudo é muito grande e muito velho, o motor consome uma tonelada de combustível por dia e como o Eric não tem um tostão furado, ele só anda a vela. Veio direto da Nova Caledônia (Sudoeste de Fiji) para Rodrigues, demorou 74 dias para chegar. Depois de conhecer o Eric fui direto para o barbeiro, cortei o cabelo e fiz a barba!
Alguns dias depois chegaram outros três barcos que também estavam em Cocos, um Norueguês, um Sueco (ambos velejando em solitário como eu) e um Sul-Africano. Antes da minha partida organizamos uma excursão com todas as tripulações, alugamos uma van e um guia nos levou para percorrer toda a ilha, que tem apenas 38 km de extensão por 8 km de largura.
Agora que estamos nos aproximando da África, a conversa entre todas as tripulações gira em torno da travessia do canal de Moçambique, que separa Madagascar da costa leste da África. Uma travessia que tem a fama de ser uma das piores e mais perigosas de qualquer volta ao mundo. A forte corrente, que desce a costa africana (chamada de corrente de agulhas), é inofensiva sempre, mas quando o vento não vier de sudoeste, que é exatamente o que acontece quando entra uma frente fria. O clima na costa sul da África é governado pelas frentes frias que varrem a costa com ventos muito fortes a cada quatro dias (em média).
Quando isso acontece a corrente das agulhas se encontra com os ventos contrários que podem ultrapassar os 50 nós e faz com que o mar levante formando ondas gigantes que são conhecidas como Frick Waves ou Ondas Anormais, que podem medir mais de 20 metros. A situação pode ficar tão feia que até mesmo os grandes graneleiros e outros barcos de carga tentam evitar a região durante a frente fria.
O grande problema e que a travessia de La Reunion (que fica a poucas milhas de Maurícios) para Durban (um dos portos mais ao norte da África do Sul) tem mais de 1.400 milhas e pode durar mais de 10 dias o que significa ficar exposto a pelo menos uma frente fria no caminho. O pior e que essa é a rota sugerida pelo World Crusing Routes, que é a bíblia de todos os navegadores. A outra alternativa e fazer uma escala em Madagascar. Existe um porto bem ao sul chamado Fort Dauphin, essa escala pode ser útil, pois diminui a viagem para Durban de 1.400 para 900 milhas. Chegando em Fort Dauphin poderia aguardar uma previsão favorável de tempo antes de cruzar a corrente das agulhas e evitando assim, estar no lugar errado na hora errada.
Concentração – A alternativa da escala em Madagascar seria obvia não fosse a contra corrente que sobe de sul para norte, ao sul de Madagascar, motivo pelo qual os livros recomendam manter uma distância mínima de 80 milhas náuticas da ponta sul da ilha como forma de evitar o risco da corrente arrastar o barco para a costa Sul de Madagascar, onde já ocorreram diversos naufrágios.
Venho pensando neste problema todos os dias desde que cheguei em Rodrigues, a única forma de evitá-lo seria se tivesse vindo pelo norte de Madagascar como pretendia fazer inicialmente, mas o problema do leme me fez mudar de rota e seguir para Rodrigues invés de Chagos, onde pretendia seguir viagem para Nosi be ao norte de Madagascar, depois era só descer com a corrente até chegar a África do Sul, sendo que no caminho poderia contar com alguns portos abrigados onde poderia me esconder do mal tempo.
Em fim, estou chegando em Maurícios onde finalmente vou poder concertar o leme e preparar o barco para esta grande travessia até a África.
Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure