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Chapada Diamantina, muitas numa só


Estalactite na gruta Lapa Doce (foto: Luciana de Oliveira)

Chapada é igual a terreno seco, muitos morros de pedra e o sol escaldante, certo? Quase. Na Diamantina é possível encontrar tudo isso. E muito mais. Hoje ficou fácil chegar até este paraíso no coração da Bahia. Acaba de ser inaugurado um vôo que parte de São Paulo diretamente para Lençóis, cidade que é referência da região. Quem tem o privilégio de ir até lá descobre que há muitas chapadas numa só. Primeiro porque em meio a aridez há muita água, despencando de cachoeiras de tirar o fôlego, como a Fumaça, ou represadas em poços que, no mínimo, garantem um banho reconfortante e podem esconder surpresas.

Mas não se pode esperar apenas um belo passeio. A aventura está presente em todos os momentos. O trekking é a atividade fundamental para quem quiser conhecer os pontos turísticos. Confesso que fui pega de surpresa: exige-se muita disposição para encarar subidas, a famosa ‘escalaminhada’ e se equilibrar em pedras escorregadias nas margens dos rios. Os poços, considerados atrações mais ‘light’, reservam momentos de Indiana Jones: é preciso se apoiar em cordas nas descidas íngremes e, em alguns pontos, o acesso só é possível usando escadas de madeira, daquelas que se usa em casa para subir no telhado… Fora isso, é possível fazer rapel, tirolesa, mergulho e canyoning.

O consolo é que, a cada esforço, surge uma recompensa: a beleza silenciosa do Poço Encantado, a diversidade de figuras formadas pela água e o calcário nas cavernas, o visual de 340m de altura a partir da Fumaça. E as figuras que habitam a Chapada, sua pré-história e lendas que fazem os dias passarem rápido de mais. Para conhecer bem o lugar, tire, no mínimo, um mês de férias. Se quiser ter um gostinho do que existe por lá, acompanhe este Aventura Brasil.

* A jornalista viajou a convite da Venturas e Aventuras (http://www.venturas.com.br)

“Inácio era um escravo que se apaixonou pela mulher de um coronel. Um dia, seu dono soube que os dois estavam juntos. Flagrou-os namorando numa cachoeira. Ela foi levada pra casa e castigada com chicotadas. Inácio conseguiu fugir levando consigo uma lembrança da amada: a sombrinha. No alto do morro, quase alcançado pelos jagunços, ele abriu a sombrinha e se jogou. Ali se tornou o morro do Pai Inácio”

lenda do morro do Pai Inácio


O que foi nome de novela, que também incorporou as paisagens da Chapada Diamantina, reflete muito bem a essência do lugar. Os cartões postais mais conhecidos são morros de pedra empilhadas há milhares de anos. Na imaginação de quem vive por lá têm formas diversas como de um camelo ou chapéu. Outras vezes, guardam histórias difíceis de acreditar, mas que aumentam o seu encanto. É o caso do morro do Pai Inácio.

Depois de 20 minutos de subida bastante íngreme – pulando de uma pedra a outra – chega-se ao topo desse morro, que oferece uma visão panorâmica da Chapada. Em dia de sol, o cair da tarde complementa o espetáculo e o frio pode pegar muita gente de surpresa. Então é hora de sentar numa pedra e ouvir atentamente a história acima, contada infinitas vezes pelos guias da região. Um detalhe: ao dizer que Inácio se atirou do morro, o guia também se joga. Em poucos minutos, volta ao seu lugar, sem contar o truque. Quem também costuma voar de lá é o skysurfer Luís “Sabiá” Santos, que possui uma casa na Chapada.

A maioria das trilhas inclui a escalaminhada. A que leva à cachoeira do Sossego é considerada uma das mais puxadas. São cerca de três horas de caminhada, com um pequeno escorrega pelo caminho, cruzando o rio Ribeirão. O final é mais difícil: passar ao lado do rio, pelas pedras lisas, é um exercício de equilíbrio e fôlego. A cachoeira não impressiona tanto. O melhor é a sensação de vencer o desafio.

É importante contar com o serviço dos guias, andar com calma pelas pedras, usando calçado adequado. Na semana passada, a displiscência matou um guia de Lençóis no Sossego. Ele foi além da trilha, escalando a cachoeira por cima, como fazia sempre. Mas na provável pressa de voltar, escorregou numa pedra e bateu a cabeça. A história comoveu a população local, mas serviu como alerta: a natureza ainda é idomável, não dá para brincar nem se aventurar se sozinho por esse lugar misterioso. Respeito também é fundamental.

Aula de história

As pedras guardam história. O relevo da Chapada foi formado quando dois grandes blocos se chocaram há milhões de anos, abrindo fendas gigantescas. Na trilha do Sossego é possível observar grandes blocos que despencaram de lugares mais altos. Alguns deles são coloridos, recheados de minerais diversos.

Na pequena Xique-Xique de Igatu, conhecida como ‘cidade de pedra’, uma estrada aberta pelos escravos leva a uma vila em ruínas. Tudo feito de pedras: casas, prefeitura, represas. Mais à frente é possível ver os sinais do garimpo de diamantes, que deu vida à Chapada do século passado até as primeiras décadas deste: uma grande pedra, quase sempre calçada por outras pequenas. Quem esquecia de fazer esse apoio, muitas vezes perdia a vida embaixo da pedra, na chamada “morte de barranco”.

Na mesma Igatu, casas inteiras simplesmente caíram porque a febre do diamante levou pessoas a escavar túneis por baixo das ruas, sem se preocupar com as construções do local. Outra lenda conta que há uma casa assombrada por um escravo, que teria sido enterrado vivo ali para vigiar os diamantes do dono.

Quem acompanhou todas essas histórias e crendices foi dona Alzira Nascimento, falecida há dois anos, uma das únicas garimpeiras da cidade. “Até quando ela tinha 80 anos, o pessoal passava aqui e a chamada para ir pro garimpo. A mãe pegava as coisas e ia”, conta a filha, exibindo uma meia dúzia de pedrinhas brutas e lapidadas. São os diamantes de dona Alzira, que manteve um pequeno museu em casa, com lembranças do garimpo. Outra aula de história, das muitas que se tem na Chapada.

“Quando comprei essa área diziam que aqui tinha uma moça encantada. Ela ficava no poço. Quando alguém mergulhava lá, ela vinha, toda de branco. Depois sumia do nada”
lenda do Poço Azul

Há 600 milhões de anos, a Chapada era mar. E até hoje na água se revelam as melhores aventuras do lugar. Tudo começa com as cachoeiras, escorregas, caldeirões piscinas naturais que se formar ao redor, onde a água é quase sempre da cor de Coca-Cola. As mais famosas: Sossego, Fumaça, Primavera, Roncador, Santo Antônio e as do rio Mucugezinho. As duas primeiras são opções quase únicas para o fim de semana, já que as demais costumam receber uma multidão de nativos que fazem desses lugares suas praias.

A Pratinha reserva um dos mergulhos mais bonitos, com águas cristalinas. Com equipamento de mergulho, é possível entrar na gruta de mesmo nome. Quem ainda tiver sede de aventura, pode conferir a tirolesa, com no máximo 4 metros de altura. Para mais emoção, é só aguardar o Poço do Diabo. Em paredões de 40m, além da tirolesa, é oferecido o rapel.

Mas o mergulho mais surpreendente está no Poço Azul, moradia da “Moça Encantada” da história contada a cima. O acesso, claro, é complicado. Uma longa escadaria de terra, algumas pedras escorregadias por causa da areia e uma escadinha de uns quatro metros de extensão. O salão é pequeno, mas o poço é bastante fundo, tornando indispensável uma máscara para observar o que se esconde lá embaixo – e colete salva-vidas, para quem não nada.

O show continua

Há quem condene os banhos neste poço. No Encantado, hoje é proibido entrar na água. Só o guardião do poço, Miguel, que não sabe nadar, tem permissão de penetrar neste santuário com uma bóia, uma vez ao ano. Mas o espetáculo é garantido mesmo do lado de fora. De abril a agosto, raios de sol invadem o lugar, acentuando o azul da água e emocionando os visitantes. Mesmo fora da temporada, o Encantado tem graça: dá para ficar horas observando pequenos bichos que se arrastam pela nata formada na superfície: sapos, cobras e peixes.

A cachoeira da Fumaça também dá seu show, principalmente quando chove e o volume de água aumenta. São duas horas, uma de subida íngreme – “passos curtos” – e outra pelo planalto – “acelerar!”. No fim, é preciso se debruçar na pedra e lançar o olhar a 400m de altura para baixo. A água começa a descer, alcança 340m e a cachoeira simplesmente não chega ao chão: o vento a dispersa antes, lançando a água em gotas para cima, criando a famosa fumaça. É o maior salto do Brasil, a 1.300 metros do nível do mar.

A melhor paisagem está na boca do cânion onde começa a cachoeira. Quando é possível atravessar a água, dá para sentar numa das últimas pedras antes do abismo e contemplar um infinito de morros. Foi a partir deste local que Carlos Zaith coordenou duas descidas pela cachoeira, a última em 98, sob a chuva. Haja coragem!

A terceira Chapada é verde. Os trechos de floresta que aparecem no sopé e nos encontros de serras e montanhas são anteriores à Floresta Amazônica e à Mata Atlântica. Ali se esconde a maior riqueza de animais e plantas da região. Há algumas espécies endêmicas – que só existem ali – como orquídeas e sempre-vivas. A última ganhou um projeto de preservação na cidade de Mucugê, que leva o nome da flor.

Embarque numa canoa e descubra um pantanal, há 20 quilômetros de Lençóis. O ponto de partida é o vilarejo de Remanso, que foi um quilombo. Hoje é habitado por uma comunidade de pescadores vivendo muito além da modernidade. Não há TV, mas uma vistosa antena aparece no telhado de uma das casas pobres. Com uma vareta de metal e (acredite!) um aro de bicicleta, os moradores conseguem sintonizar melhor o rádio.

Pantanal

Os ‘canoeiros’, como são chamados os remadores, fazem muitas vezes os próprios barcos e conduzem os visitantes a duas horas de passeio pelo rio Santo Antônio ao Roncador. Um remo extra fica guardado no barco, caso o turista tenha vontade de ser um dublê de canoísta. Outras vezes a correnteza pode ficar tão forte que é necessária a ajuda. Dá-lhe aventura! No caminho, vitórias-régia, muitas plantas aquáticas – às vezes elas fecham o caminho – e pássaros.

Também não é possível ficar indiferente a imensa quantidade de borboletas nos campos e pastos. Pousadas em dezenas, elas se confundem com a grama. Quando alguém chega perto, voam num curioso balé. Outro bicho que marca presença nas áreas úmidas é o sapo. Em Igatu, eles tomam conta de muitas ruas.

A Chapada apresenta a maior concentração de cavernas do Brasil. A maioria provavelmente ainda é desconhecida. Por isso, a Sociedade Baiana de Espeleologia lançou um ambicioso plano de cadastrar todas as grutas e cavernas até 2001. Enquanto isso, algumas das cavernas vêm se tornando conhecidos pontos turísticos. Lapa Doce e Pratinha, entre Iraquara e Lençóis, lideram a lista, mas são apenas uma amostra do que está em outras grutas. Outra bastante freqüentada é a Gruta Azul, no mesmo terreno da Pratinha, com um fenômeno semelhante ao do Poço Encantado, de reflexão e refração dos raios solares.

Mas entre as cavernas abertas a visitas, nenhuma reserva mais tesouros do que a Torrinha, bem próxima à Lapa Doce. É possível passar até quatro horas lá dentro observando espeleotemas diferentes e desfrutando de momentos de aventura. Antes, uma parada no paredão externo para conferir pinturas rupestres. Entrando na Torrinha, logo de cara é preciso enfrentar a “Passagem da Francesa”. Trata-se de um espaço estreito que leva a um dos corredores da caverna. Vencido o primeiro obstáculo, é hora de curvar as costas e andar alguns metros assim, já que o teto começa a ficar muito baixo.

Esses trechos apertados se revezam com amplos salões onde as estalactites e estalagnites brotam em fila e com todas as cores – as puras, são brancas; quando trazem terra, marrons. Há até formações em rosa cintilante. Algumas vezes, chegam a se tornar bolhas, que guardam dentro raras flores de calcário.

Jóias da Chapada

É preciso estar atento para não pisotear uma estalagnite que esteja nascendo, em pontos brancos no chão. A formação só cresce um centímetro a cada 30 anos. Outro salão apresenta as agulhas de gipsita, como lâminas brilhantes num terreno com pedrinhas. Há ainda a flor de gipsita, quando várias lâminas se encontro. A maior do mundo está lá.

O rastro da água que corria pelo local antigamente pode ser visto até no teto. Mas o mais interessante no passeio é se deixar contagiar pela imaginação fértil dos guias e espeleólogos que imaginam as figuras mais diferentes em cada linha e formação ou nas sombras. Na Lapa Doce, “vê-se” um seio, um guarda-chuva, índios, monstros e até um presépio de pedras.

Na Torrinha, há um rosto de Cristo “desenhado” no teto, além de peixes, pombos se beijando… A brincadeira não tem fim e todo mundo volta a ser criança. E uma delas traduz a sensação de privilégio por estar ali: “Daqui a 30 anos vou trazer os meus filhos nessa caverna, para eles verem tudo um centímetro maior”, promete Carla Rodrigues, de apenas 10 anos, visitando o que a natureza criou há muito tempo atrás.

Quem leva

Venturas e Aventuras

http://www.venturas.com.br

Tel/Fax: (011) 3872-0362

Roteiro: Oito dias de visita a cachoeiras do Sossego, Fumaça, Roncador, Primavera, entre outras, gruta Lapa Doce, Pratinha, Torrinha, morro do Pai Inácio, Poço Encantado, Poço do Diabo, Poço Azul. Pernoites em Lençóis e Xique-Xique de Igatu.

Preço: a partir de R$ 1.190,00 (duplo) ou R$ 1.390,00 (individual)

Para ir por conta própria

Via aérea

  • SP-Lençóis (TAM) – vôos todos os sábados;
  • Brasília-Lençóis-Salvados (Vasp);
  • Nordeste

    Via terrestre

  • De carro:

    Pelas BR-324 (109 km até Feira de Santana), BR-116 (72 km até Paraguaçu) e BR-242 (219 km até a entrada da cidade de Lençóis, que fica 12 km adiante).

  • Ônibus:

    Viação Alto Paraíso:

    – Salvador/Lençóis – diariamente às 7h30, 12h, 22h.

    – Lençóis/Salvador – 8h30,15h, 22h30.

    Hospedagem*

    Em Lençóis

    Camping Lumiar (Praça do Rosário, s/n)

    Pousada Canto das Águas (Avenida Senhor dos Passos, s/n)

    – Reservas: (0*73) 334-1154

    Pousada de Lençóis (Rua Altina Alves, 747)

    – Reservas: (0**71) 358-9395

    Em Igatu

    Pousada Pedras de Igatu

    – Recados: (0**75) 229-4039


    * Fonte: Infotur (www.infotur.com.br/lencois/indexi.htm)

    Este texto foi escrito por: Luciana de Oliveira*