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Bernardo Arndt e Bruno Oliveira escrevem sobre a eliminação no Pan


Dupla brasileira estava em primeiro (foto: Thiago Padovanni/ www.webventure.com.br)

Reveja o que fui publicado na época:

  • 27/7 – Brasileiros do Hobie Cat são desclassificados do Pan e entram com apelação
  • 28/7 – Apelação é negada e Brasileiros do Hobie Cat são eliminados do Pan-americano
  • 28/7 – Depois da desclassificação no Pan, dupla do Hobie Cat 16 anuncia abandono da classe

    Depois da eliminação nos Jogos Pan-americanos e de toda a polêmica envolvendo os brasileiros Bernardo Arndt e Bruno Oliveira, o velejador escreve uma nota explicando o que ocorreu e como foi feito o julgamento. Acompanhe o texto na íntegra.

    Nota de esclarecimento e repúdio sobre a desclassificação da dupla brasileira vencedora do Pan-americano 2007

    No último dia dos Jogos Pan-americanos de 2007, a dupla formada por Bernardo Arndt e Bruno Oliveira já havia conquistado matematicamente o ouro. Oito regatas foram disputadas, no decorrer de seis dias, e os velejadores, com vantagem de nove pontos, apenas teriam que largar na Medal Race (podendo inclusive tirar o último lugar). Porém, na véspera do pódio, cinco adversários (que com a desclassificação da dupla vencedora, passariam a ter chances de medalha) entraram com protestos sob a alegação combinada de que a peça do top do mastro utilizada pelo barco brasileiro estaria violando as regras de medição da classe.

    A decisão do Júri foi pela anulação de todos os resultados das regatas que foram corridas. Com isso o Brasil perdeu a medalha de ouro.

    A gravidade do ocorrido demanda pronto esclarecimento para o público em geral e, especialmente, para a comunidade do iatismo.

    1 – Sobre a alegação de “alteração” do mastro e sobre eventual “vantagem no desempenho do barco”:

    O principal argumento dos protestos foi de que, “o mastro teria sido alterado, o que iria contra a regra número 1 da General Rules (IHCA)”.

  • a. O mastro não foi alterado, não foi cortado, não foi aumentado, não teve suas características ou suas funções mudadas;
  • b. A ferragem usada no top é 100% Hobie Cat class legal;
  • c. Houve sim a utilização, em um mastro comptip (alumínio e ponta de fibra convencional), de uma ferragem que é normalmente combinada com mastros inteiros de alumínio;
  • d. Não existe nas regras da classe nenhuma especificação que proíba a combinação da peça do top do mastro de alumínio em um mastro comptip;
  • e. Essa peça é vendida avulsa e não faz parte da extrusão. Na sua embalagem, nas regras da classe ou em qualquer outra publicação da Hobie Cat não vem escrito que a peça não pode ser combinada com um mastro comptip.

    Justamente por estas razões é que o barco passou por vistoria e medição, sendo o conjunto foi APROVADO pela comissão, um dia antes da regata de abertura.

    Essa peça não traz vantagem nenhuma no desempenho se comparada à do outro tipo. É o que se demonstra:

    a – A principal alegação é de que a peça permitiria subir mais a vela. Demonstra-se que não é verdade. Como mostram as fotos ao lado, os dois tops permitem subir igualmente a vela – ambos medem 6 cm entre o limite para adriçamento da vela e a calha do mastro. Entretanto, de qualquer modo não seria razoável com nenhuma das duas ferragens, subir a vela 6cm acima da calha. Conforme a foto 1 ao lado, verifica-se que a altura da vela não depende da ferragem do top.

    b – Esta medida demonstrada acima afasta a alegação que, devido a troca das peças, a vela do barco brasileiro poderia ser fixada mais alta do que as velas dos demais barcos. Além disso, para reforço deste dado, verifica-se na foto abaixo que não há diferença que possa ser notada na altura das velas dos barcos competidores (comparados GUA, BRA, MEX e PUR).

    c – A vantagem que seria extraída da altura da vela, segundo alegaram os protestantes, seria de que o barco brasileiro poderia cair mais o mastro (aumentar o rake) sem abrir a valuma da mestra com isso. E a alegação não faz sentido porque este objetivo poderia ser obtido com mais eficiência se o barco brasileiro utilizasse um moitão de escota menor (utilizado, inclusive, pela maioria dos adversários). E não foi essa a opção de moitão e de regulagem do barco brasileiro. A foto demonstra a diferença de mais de 2 cm que refletem na caída do mastro com a escota da mestra caçada. A diferença representa uma possibilidade potencializada de cair o mastro em mais de 3 cm em função da posição do moitão, que fica mais para o centro do que a ponta da retranca.

    d – Demonstrado que:

    (i) da medição das duas ferragens possíveis (terceira foto ao lado) resulta a mesma distância para o adriçamento da vela (o que afasta a possibilidade teórica de diferença entre os barcos);

    (ii) a opção de regulagem do barco brasileiro não visava a caída do mastro que decorreria da vela mais alta.

    Sem restrição – Resta ainda o fato de que, ainda que assim não fosse, não há limite ou restrição nas regras da classe em vigor relativos à altura da vela.

    Todos os mastros testados pelo barco brasileiro antes do Pan-Americano eram usados e os conjuntos perfil / ferragens estavam já montados. Este mastro, que foi escolhido para a competição, era um desses, que foi emprestado por um sparring da dupla brasileira. E o critério de escolha do mastro não foi a característica da ferragem do top ou de qualquer outra ferragem, mas tão somente a flexibilidade do perfil.

    Não houve alteração do conjunto escolhido e os cuidados tomados pela tripulação em relação à regularidade do mastro foram:

    (i) certificação de que as peças todas que compunham o mastro eram Hobie Cat;

    (ii) apresentação do mastro no ato de medição do barco e acompanhamento da medição antes do campeonato.

    2 – Sobre o processamento e julgamento dos protestos:

    Para o protesto poder ser aceito, os protestantes alegaram que só haviam visto no último dia que o barco brasileiro tinha, no top do mastro, uma peça que não poderia, segundo eles, ser usada. A comissão de protesto aceitou o argumento de que “todos os protestantes (as cinco duplas que tinham chance de medalha com a nossa desclassificação e respectivos técnicos), não haviam percebido isso antes”.

    Os dois tipos de top de mastro, como qualquer velejador de Hobie Cat tem conhecimento, apresentam desenhos bem distintos, ficam visíveis e são facilmente identificáveis principalmente quando se têm outros mastros ao lado para comparação, como era o caso no Pan-Americano. A primeira foto ao lado deixa evidente e muitíssimo visível a diferença entre as peças.

    Durante três dias que antecederam o campeonato, a dupla brasileira treinou com os adversários, acompanhados de seus técnicos e, desde então, já estava sendo muito observada devido à velocidade do barco e da sua regulagem. Desta forma, o argumento que, apenas no último dia do campeonato, as cinco duplas interessadas na desclassificação, teriam percebido a peça é no mínimo suspeito.

    E apesar disso, a penalidade aplicada pelo Júri foi de desclassificação de todas as regatas, do que decorre uma contradição insuperável no julgamento: de um lado, para validar o protesto, o Júri aceitou a alegação de que a infração foi percebida e apontada apenas para o último dia de regatas; de outro, para desclassificar o barco brasileiro de todas as regatas, o Júri estendeu a infração para o resto do campeonato, sem alegação e sem protesto a respeito.

    3 – A composição do Júri

    A recomendação da ISAF é de que o Júri seja completo. No entanto, foi vetada a participação de juízes brasileiros pelo Presidente do Júri, o porto-riquenho Eric Tulla, pelo fundamento de que seriam interessados no resultado que afetaria o barco brasileiro.

    No dia seguinte ao julgamento, o barco brasileiro pediu a reparação dos pontos:

    a – Foi pedida expressamente a composição de Júri completo. O pedido foi negado.

    b – Foi pedida a saída do juiz porto-riquenho do Júri, pelo mesmo fundamento do interesse no resultado do protesto, já que a única medalha de Porto Rico na Vela seria o bronze que só viria com a desclassificação do Brasil. Além disso, o mesmo juiz é presidente da Federação de Vela de Porto Rico, conforme se verifica no site da própria federação. O pedido foi negado.

    A respeito da posição do juiz porto-riquenho como membro e presidente do Júri, há ainda os seguintes fatos e regras:

    – Consta na Racing Rules 2005-2008 (ISAF, International Sailing Federation) 63.4 “A Interested Party: A member of a protest committee who is an interested party shall not take any further part in the hearing but may appear as a witness. A party to the hearing who believes a member of the protest committee is an interested party shall object as soon as possible.”

    – O mesmo Juiz revelou a seguinte visão sobre a atuação de autoridades, dirigentes e federações na busca por medalhas para os respectivos países (trecho da ata da reunião de junho de 2006, publicada no site da Federação de Vela de Porto Rico com amplo acesso pela internet): “Eric indica que el énfasis mundial em estos momentos es asegurar medallas. Explica situación ISAF y el énfasis en lograr medalhas de las autoridades, que no es bueno necesariamente para la vela, pero que es la realidad actual y todo corre a base de dinero. Hace hincapié en el medallero.”

    – O interesse em tese deste juiz no julgamento é caracterizado e agravado por dois fatos:

  • o exercício da presidência do órgão máximo da vela no mesmo país – que tem declarado e sabido objetivo de medalhas e resultados internacionais;
  • relação próxima entre o referido juiz Eric Tulla e a família do representante de PUR Enrique Figueroa, o que também aparece publicamente na composição da diretoria e nas atas das reuniões da Federação porto-riquenha de Vela, da qual ele é presidente.

    4 – Outros fatos que prejudicaram a defesa do barco brasileiro:

    a – Foi pedida a presença de um intérprete – Sr. Peter Siemsen (Ex-Vice-Presidente da ISAF), com a alegação expressa de que a tripulação teria dificuldade em acompanhar o protesto em língua estrangeira. O pedido foi negado, sob alegação de que o Sr. Peter Siemsen havia sido testemunha no dia anterior.

    b – De acordo com a regra 63.2 da ISAF, as pessoas envolvidas devem ser avisadas e ter toda a informação à disposição e o tempo razoável para a preparação da sua defesa. No entanto a secretaria do campeonato divulgou os protestos e no lugar do horário de julgamento mencionou que a audiência seria ASAP (As Soon As Possible). O aviso exigiu imediato deslocamento da tripulação para o local de espera do julgamento do protesto e dificultou a preparação da defesa em relação aos 5(cinco) protestos, no tempo razoavelmente necessário.

    c – O protesto foi apresentado apenas no último dia, o que impede a retificação ou troca de algum material. O fato, se somado com a desclassificação em todas as regatas e com o caráter irrecorrível das decisões de um Júri internacional, acaba por anular qualquer margem para defesa ampla e discussão da adequação do barco brasileiro e dos demais barcos às regras da classe.

    5 Os protestos apresentados contra os adversários:

    Com todas as negativas em audiência, o resultado do protesto e a interpretação tão radical do Júri, a tripulação brasileira consultou novamente as regras e examinou os barcos dos adversários. Foram constatados os seguintes fatos, apresentados em protestos:

    a – O elástico que estica o estai de proa e era utilizado por todos os competidores não é Hobie Cat part, ou seja, não existe nem é previsto em nenhum lugar (nem em regras da classe, nem em catálogos). Apresentado protesto pela tripulação brasileira, o pedido foi negado. A justificativa foi de que a infração deveria ter sido detectada no primeiro dia do campeonato, para admissibilidade do protesto.

    b – O barco americano usava um sistema de trapézio que também não faz parte de peças nos catálogos da Hobie Cat, nem é previsto nas regras. Apresentado protesto pela tripulação brasileira, o pedido foi negado. A justificativa foi a mesma da negativa anterior: a infração deveria ter sido detectada no primeiro dia do campeonato, para admissibilidade do protesto.

    c – Apenas o barco brasileiro aparentava estar carregando o lastro de chumbo de 5kg para atingir o peso mínimo de 145kg. Outros dois barcos australianos novos, da mesma série, nas mesmas condições, não apresentavam peso visível no último dia. Apresentado o protesto, não houve julgamento.

    d – O barco porto-riquenho usava um cabo de desvirar de 6mm, descumprindo a exigência de 9,53mm conforme regra 8.2 da IHCA General Rules. O protesto, o único aceito, foi julgado improcedente. O argumento do barco porto-riquenho foi de que o cabo tinha 6mm, mas era usado duplo (então, 6 x 2 = 12). O Júri aceitou a alegação. Contudo, sem ter checado se o comprimento do cabo atendia ao limite de 14 pés o que era improvável, uma vez que a duplicação do cabo ensejaria a duplicação do seu comprimento.

    6 – Nota de repúdio e esclarecimento:

    A desclassificação, da forma como foi realizada, tem grave repercussão para a atual dupla campeã brasileira. São esclarecimentos relevantes:

    a. A “desclassificação” como promovida poderá implicar o entendimento equivocado de que a dupla estaria usando de meios ilícitos para obter alguma vantagem.

    b. O velejador Bernardo Arndt há trinta anos acumula títulos em campeonatos nacionais e internacionais e traz em seu currículo três participações em Olimpíadas e quatro em Panamericanos, além de inúmeras participações expressivas em diversas categorias dentro do iatismo. Pelo reconhecimento de sua história como velejador atuou como técnico da Equipe Olímpica Permanente, designado a acompanhar Robert Scheidt em 2001 e 2002.

    c. A tripulação brasileira treinou praticamente todos os dias em Ilhabela por três anos consecutivos e ininterruptos, tendo investido tempo, dinheiro e esforços para a representação do país no campeonato Pan-Americano. Tudo isso jamais seria negligenciado na busca por qualquer “vantagem” que pudesse por em risco um campeonato tão importante e altamente disputado. Certa da sua competência, não seria irresponsável de competir com equipamento irregular e de fazer esta opção justamente com a peça mencionada, que não lhe trazia nenhuma vantagem.

    d. Como todos os velejadores de competição, a tripulação brasileira está e esteve sempre aprimorando as regulagens do barco e hoje pode ter a certeza de que atingiu um ponto de desempenho bastante avançado. A situação se verifica também pela semelhança de velocidade entre os sparrings que ajudaram nos treinamentos, que usam a mesma regulagem (bastante diferente das regulagens tradicionais usadas pelos adversários)”.

    “No mais, treinar e treinar é o verdadeiro ‘segredo’ do sucesso desta dupla”.

    O ocorrido traz danos morais e financeiros de difícil reparação. A adoção de todas as medidas cabíveis em lei e nas regras, anulação de julgamentos, eventuais indenizações, nada poderá repor suficientemente as perdas sofridas.

    Em relação à classe, fica claro que há muito o que ser revisto em termos de definições, regras, equipamento, suporte e esclarecimentos, para evitar novos casos como este. Caso contrário, estaremos todos iniciando uma era de disputas esportivas longe do suor da dedicação, da excelência e disciplina, mas firme no propósito de “como puxar o tapete dos vitoriosos”. Qualquer entidade que se pretenda séria e competitiva em nível internacional não pode de maneira nenhuma permitir tamanha injustiça como a que ocorreu neste Pan-Americano de 2007.

    Os presentes esclarecimentos são tomados como um dever pelos atletas que representaram o Brasil na classe Hobie Cat no Pan-Americano de 2007 e servem para afastar quaisquer dúvidas sobre a conduta esportiva adotada pela tripulação. Devem assim também servir para que todos os que se pronunciarem sobre o ocorrido e que atentarem contra a honra e a imagem destes atletas não possam alegar boa-fé para suas manifestações e fiquem desde já cientes de que serão tomadas todas as medidas cabíveis para a reparação e preservação dos direitos que forem violados.

    É do respeito às regras e da aplicação igualitária das regras a todos que depende uma modalidade esportiva. É do espírito esportivo, de luta, de lealdade e de superação, que vive e depende um atleta.

    Bernardo Müller Carioba Arndt e Bruno dos Reis Oliveira
    Ilhabela, 20 de agosto de 2007

    Este texto foi escrito por: Bernardo Arndt e Bruno Oliveira