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Aves da Amazônia – a história da Expedição Turpial

Redação Webventure/ Aventura brasil

Os rios amazônicos são tão diferentes dos outros; parecem mares e praias da costa brasileira. (foto: Nelson Barretta)
Os rios amazônicos são tão diferentes dos outros; parecem mares e praias da costa brasileira. (foto: Nelson Barretta)

Todo balonista procura no esporte romper a horizontalidade do olhar quando se está no solo. A sensação de voar a milhares de metros de altura possibilita minutos infinitos de contemplação da natureza. Somada a adrenalina de não conseguir pilotar um balão e de não saber onde irá pousar foram esses os motivos que levaram o espanhol Angel Aguirre a organizar uma expedição internacional inédita no Brasil.

Chamada Expedição Turpial , em homenagem à ave símbolo da Venezuela que vaga pela região, a proposta foi sobrevoar o Rio Negro, na Amazônia, cruzando os estados do Amazonas e Roraima. Entre a segunda quinzena de janeiro e a primeira de fevereiro deste ano, uma equipe de dez espanhóis e oito brasileiros partiu de Manaus, rumo a Barcelos (primeira capital do Amazonas), no barco regional “Capitão Gabriel”.

Três balões participaram do desafio, dois de Angel, atual bicampeão espanhol, e um do bicampeão brasileiro (1994/ 1997) e medalha de ouro nos Jogos Mundiais da Natureza (1997), Sacha Haim (clique aqui e leia a matéria sobre a vida do atleta), acompanhado dos pais, Salvator e Sílvia, do irmão Sandro e do experiente expedicionário Nelson Barretta. Durante um mês, todos se revezaram nos balões e contabilizaram 22 vôos, com cerca de 400 km percorridos no ar.

“A idéia do Angel surgiu quando ele veio ao Brasil, em 1991, e se meteu na Amazônia durante um mês com barcos regionais, buscando informações sobre um antepassado, um dos maiores expedicionários da Espanha, séculos atrás. Ele já era piloto de balão e ficou com a sensação de romper a horizontalidade, ainda mais na Amazônia onde tudo que você vê é uma linha verde para todos os lados”, contou Sacha.

A falta de repercussão do balonismo no país refletiu na pouca cobertura da mídia sobre a primeira expedição realizada na Amazônia. Mas o Aventura Brasil traz para você esta história em detalhes, como se estivesse dentro de um cesto, mil metros acima da selva, cercado de verde e água, e conseguindo romper a horizontalidade.

Sacha conheceu Angel nos Jogos Mundiais da Natureza, realizados no Paraná, em 1997. Quando esteve na Suíça, em 2000, o espenhol o convidou para uma competição de balonismo em Igualada, interior da Espanha. Sacha venceu. A partir daí, eles não se desgrudaram mais. Meses depois, Sacha foi fazer mestrado em Arquitetura, Arte e Espaços Efêmeros na Universidade Politécnica de Catalunha e nos fins de semana ia a Igualada para trabalhar com Angel, levando passageiros no balão.

“Com isso, começamos a ficar cada vez mais amigos. Ele sempre comentou sobre o desejo de voar na Amazônia mas tinha um outro piloto brasileiro e eu não fechei. Até que chegou o momento certo para a expedição e outro piloto estava meio devagar, então ele me convidou para voar na Venezuela”.

Angel explicou que o nome dado à expedição foi “porque a idéia inicial era começar a expedição pelo Alto Orinoco, na Venezuela. Turpial é uma ave amazônica que voa em cima da selva, assim como o objetivo da nossa expedição”. Apesar do nome continuar venezuelano, Sacha convenceu Angel a voar no Brasil, depois de conseguir patrocínios com a empresa Fogás para o fornecimento de gás propano, especial para vôos, e a loja de departamentos Bemol, para o auxílio na preparação da viagem.

Nada decidido – Fora os dois, brasileiros e espanhóis se conheceram na hora do embarque e ninguém saberia dizer como seria realmente a aventura de voar na Amazônia. “Fui para a expedição não muito diferente dos outros. Tinha uma frase que desde começo usávamos bastante que diz: “por sobre la marcha”. Todas as coisas seriam decididas, desde a saída da Espanha, por sobre la marcha, ou seja, de acordo com que iria acontecer. No começo, isso me preocupava. O desafio era sobrevoar a Amazônia, mais nada. Não tínhamos o número de vôos. Éramos nós tentando tirar o máximo de proveito da Amazônia”, disse Sacha.

No início, a idéia era decolar de uma margem do Rio Negro e pousar na outra. “Acho que aventura é toda ação que tem resultados incertos. Esta foi uma aventura. Por mais que planejássemos toda a expedição, não tínhamos certeza de nada”, completou Nelson Barretta.

O barco “Capitão Gabriel” partiu no dia 18 de janeiro do porto de Manaus até a Praia do Jacaré, na parte alta da do arquipélago de Anavillhanas (o segundo maior do mundo), local onde a equipe realizou o primeiro vôo.

“É uma praia no meio do rio. Isso garantia que qualquer que fosse a direção que voássemos tinha a costa e assim facilitava o resgate. A idéia foi levar todo mundo para voar lá para depois arriscarmos vôos mais difíceis”, relatou Sacha.

Segundo ele, os vôos só poderiam acontecer na parte da manhã, decolando às 7h30 e pousando às 9h30, ou à tarde, levantando o balão às 16h30 para pousar até as 18h30, por causa da ação térmica do ar (massa quente que se desloca para cima). “É igual uma bolinha jogada para cima. Você está subindo depois pára e começa a descer. Parece io-iô”.

Sem saber quanto tempo demoraria a experiência, dois balões espanhóis e um brasileiro, pilotado por Salvator e Sandro Haim, decolaram de manhã e pousaram com 5 km de vôo. Sacha, Barretta e outros integrantes fizeram o resgate em duas lanchas de 15 HP (Horse Power). “O primeiro vôo era cheio de expectativa e aconteceu tudo muito rápido”, descreveu Barretta.

Resgate aquático – Ao contrário dos vôos convencionais, quando se utiliza um carro, o resgate da expedição foi inteiro realizado a barco, já que a região Amazônica é quase toda alagada. “Essa história de fazer resgate em barcos é muito diferente. Tínhamos planejado de dois a três dias, pensando que o balão iria para o meio da mata. E não. Os vôos duravam 30 km, mas o resgate percorria 40 ou 50 km porque precisávamos dar a volta em uma ilha, achar o canal principal e isso normalmente tomava muito tempo”, detalhou Sacha.

Barretta foi mais claro ao definir o trabalho. “Daquilo que eu vi no balonismo era tudo muito comum. O balão decola enquanto o resgate sai atrás de carro, por vias terrestres, às vezes pavimentadas outras de lama. Carro lá, só se souber andar em cima d’água. As rodovias são fluviais. Por isso, foi um desafio”.

No manhã seguinte, Sacha e Barretta foram o únicos a voar. Com o conhecimento dos títulos conquistados, Sacha voou a maior parte do tempo com o cesto dentro d’água. “Tínhamos ventos a 30 km/h, difícil para o pouso. Com a manobra, consegui diminuir a velocidade do balão”, argumentou. À tarde, mais dois balões voaram e um deles pousou no rio. O resgate demorou mais de 4 horas para tirar o balão da água.

Depois de ter ganho confiança, o desafio virou brincadeira. Em um dos vôos seguintes, Angel, líder da expedição, e seus companheiros fizeram um pouso proposital no meio da mata e por lá passaram a noite. “Ele queria dormir na mata. Decolou de tarde e pousou a duzentos metros do rio. Começou a descer. O balão ficou fincado nas árvores, já a cinco metros abaixo da copa. O peso do balão quebrou aos poucos os galhos até que o cesto alcançou o chão. Colocaram três redes com fogueira no meio. No dia seguinte, o barco grande foi resgatá-los”, contou Sacha.

Lua cheia – Após nove dias, a expedição chegou, enfim, a Barcelos. Parte da equipe voltou às suas cidades de origem e somente dez integrantes permaneceram para a volta até Manaus. Nos cinco dias posteriores, o time não decolou e fez algumas incursões para a mata. “Fomos explorar os igarapés”, rebateu Barretta.

Já seguindo em direção a Anavilhanas, a expedição vivenciou uma situação inesperada. O sol tinha dado lugar a lua e, contrariando todas as leis do céu, eles decidiram voar. “Era noite de lua cheia. Estávamos jogando cartas e a chuva parou. De repente, um balão com dois espanhóis decolou . Foi um vôo maravilhoso. A lua cheia com aquele balão vermelho no céu”, revelou Sacha.

Duas lanchas fizeram o resgate com luzes de lanterna acesas para dar referência de altura e distância ao balão. “Em uma das vezes que desceram, deram um porrada forte na água. Perderam a referência e bateram com tudo”. O vôo noturno durou 30 minutos. “No final, eles pousaram na água e nós os rebocamos até uma praia. Isso demostrou a confiança que tínhamos em voar na Amazônia. Porque o primeiro vôo que fizemos foi mais simples, mas estávamos todos sob tensão. E depois de tantos vôos a idéia de voar à noite veio sem imposição”.

De volta a Manaus, a equipe ainda esperava a realização de mais um vôo. A tentativa era de sobrevoar o encontro das águas entre os rios Negro e Branco. Depois de conseguir as autorizações do Ministério da Aeronáutica, os três balões levantaram vôo. Dois deles no período da manhã. De tarde, a tripulação do “Capitão Gabriel” (Benedito Souza, Reginaldo Souza, Josimar Souza e Ivomar) foi privilegiada com o último passeio. E o pouso foi exatamente em cima do barco. “A viagem inteira foi um risco calculado”, brincou Sacha.

Para sempre na lembrança – O sentimento de missão cumprida contagiou todos os integrante da Expedição Turpial quando aportaram de vez na capital amazonense. “O objetivo, que era sobrevoar a Amazônia em balões de ar, foi atingido. Voamos em pedaços de nylon de 30 m, sem nenhuma dirigibilidade”, destacou Barretta.

Para ele, “fora a vontade de voar, a idéia da expedição era uma troca de conhecimento das pessoas locais, os manauaras (quem nasce em Manaus), dos pescadores, dos povoados que passamos, da própria tripulação, dos espanhóis, e nossa. Foi muito proveitoso”.

A expedição chegara ao fim. Para espanhóis e brasileiros que viveram a aventura, as imagens áreas da Amazônia ficarão para sempre na memória e se transformarão em histórias para contar aos netos. “Víamos muitos pássaros, principalmente araras, que se destacavam pela cor, vermelhas e azuis. Tudo marcou, os vôos, a paisagem, o leito do rio, as áreas alagadas. Foi uma expedição que será muito difícil de esquecer”, finalizou Sacha.

Angel Aguirre, líder da aventura concluiu o raciocínio de Sacha com a visão de um estrangeiro. “Minha impressão foi totalmente positiva. Realizamos mais vôos do que o previsto, sem acidentes. Os vôos foram fantásticos e a visão da selva superou o que tínhamos imaginado. Foi um projeto com uma infra-estrutura completa e com situações totalmente desconhecidas para nós”.

Participaram da Expedição Turpial: Angel Aguirre, Miquel Mesegé, German Rodero, Albert Aguirre, Juanjo Medina, Josep Sánchez, Guillem Sanz, Roger Segarra, Sacha Haim, Sandro Haim, Salavator Haim, Sílvia Haim e Nelson Barretta apoiado pela Cia. Athlética.

Este texto foi escrito por: Andre Pascowitch

Last modified: fevereiro 23, 2001

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