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Diário do Bravo: última navegação em águas brasileiras

Redação Webventure/ Vela

As belas paisagens de Fernando de Noronha (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)
As belas paisagens de Fernando de Noronha (foto: Matias Eli/ Arquivo pessoal)

De Salvador a Fortaleza – Após uma semana intensa de manutenção, o Bravo estava pronto para seguir viajem rumo a Recife, Fernando de Noronha e finalmente Fortaleza. Sai de Salvador numa quinta-feira e ao passar pelo farol da Barra, escuto a entrega da chave da cidade para o Rei Momo. A festa estava começando e ao olhar para fora da Bahia percebi que no meu carnaval (2009) iria ser de ressaca.

Ligo para casa enquanto tenho sinal de celular e falo com a Marina, minha filha mais nova, que me questionou o porquê de não estar em casa com ela. Quando vou responder, o sinal acaba e a linha cai. Na minha frente uma noite escura, sem estrelas nem lua, ondas grandes e desencontradas e muito vento. Chovia na horizontal. Nestas horas a pergunta que vem na nossa cabeça e sempre, a inevitável: “o que estou fazendo aqui?” Em fim, fiz uma redução nas velas, verifiquei meu rumo e conferi o meu TTG (Time To Go), mais conhecido como “quanto falta pra chegar?”. 78 horas!

O rumo era contra o vento, mas o barco andava bem, o problema era que a corrente também era contra, o que me roubava duas milhas por hora. Então lembrei que da última vez que havia navegado neste mesmo trajeto, eu e minha tripulação nos escondíamos da corrente navegando relativamente próximos da costa.

A diferença era que desta vez eu estava sozinho, não teria ninguém para revezar nos turnos da noite. E quando navegamos próximos da costa não podemos nos descuidar um segundo e não podemos deixar o barco no piloto automático por períodos longos.

Decisões – Sendo assim, eu precisaria decidir entre diminuir o impacto da corrente navegando próximo da costa sem poder pregar o olho, ou uma navegada mais demorada, por conta da corrente contraria, porém, mais tranqüila. Acabei optando por uma solução intermediária. Durante o dia me aproximava da costa e a noite navegava mais para mar aberto em busca de águas profundas sem redes de pesca, nem trânsito de embarcações, onde me permitia dormir em intervalos de até uma hora e meia.

No segundo dia o vento apertou, ventava 27 nós e o Bravo estava super equilibrado. Navegava rápido, fazendo 10 nós de velocidade com o barco pilotado pelo leme de vento, que funciona sem consumir energia elétrica, apenas com a força do vento. Tinha os tanques cheios de água, os armários cheios de comida e de roupas secas, o barco voava sobre as ondas, que já não me amedrontavam. Foi nessa hora que eu me lembrei o que estava fazendo ali.

Cheguei em Recife antes do esperado e tive que ficar aguardando meu irmão que chegaria com a namorada para me acompanhar até Fernando de Noronha (seria a nona viajem do Bravo para aquela ilha, a segunda sobre o meu comando). No dia seguinte saímos para Noronha e pouco antes da chegada a linha de pesca deu sinal de vida. Pegamos uma cavala enorme! Conseguimos comer peixe fresco pelos próximos três dias nas mais variadas receitas: ceviche, sashimi, sushi, peixe assado ou frito.

Ficamos cinco dias em Noronha e após deixar o Ramiro e a Raquel no aeroporto de Noronha, fui preparar o barco para mais uma travessia em solitário, para Fortaleza. A última em águas brasileiras. Até lá foram 50 horas a motor, pois havia muito pouco ou nenhum vento.

Mudança do tempo – Ao chegar em Fortaleza o tempo fechou de vez e começou a chover muito forte, era de noite. Apesar da péssima visibilidade consegui enxergar uma proa de navio. Consultei a carta náutica e verifiquei que ali não havia nenhum obstáculo na frente, havia apenas um naufrágio, mas segundo a carta, este estava bem mais a boreste (a esquerda) da minha posição.

Como estava em rumo de colisão com o navio, resolvi contornar o navio pela popa (por trás) para evitar uma colisão com a corrente, que deveria estar prendendo a âncora na proa do navio. À medida que fui me aproximando alguma coisa me dizia que tinha algo muito errado com aquele navio. Nenhuma luz acesa, ninguém no convés, nem uma bandeira e o pior de tudo não dava pra ver a popa (traseira do navio).

Depois de alguns segundos percebi que aquele navio era o naufrágio, que estava mal sinalizado na carta eletrônica (Navionic). Girei a roda de leme (direção do barco) e fiz um giro de 180 graus o mais rápido possível. Foi por pouco! Muito pouco! Próxima parada, o Caribe!

Este texto foi escrito por: Matias Eli, especial para o Webventure

Last modified: março 12, 2010

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